27 de dezembro de 2024
OPINIÃO

Tudo muda: o afeto não

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O Velho Mundo sabe preservar sua história. Cidades medievais na Itália praticam o retrofit e incluem todas as modernidades no interior, sem destruir o desenho arquitetônico original. Paris é um exemplo de respeito à memória. Os endereços continuam os mesmos, as fachadas conservadas, enquanto o conforto up to date é ofertado a seus moradores.

Enquanto isso, o Brasil é demolidor. Aqui não vingaria o respeitoso hábito de apor placas indicativas de quem ali teria morado no século XVIII, porque tudo foi abaixo. Substituem-se belos exemplares de edificação, por toscos caixotões de concreto. Sem personalidade, sem arte, sem beleza.

Isso é percebido por aqueles que, impregnados da veneração pela História, chegam ao Brasil, pelos mais variados motivos. Um exemplo icônico é Claude Lévi-Strauss (1908-2009). Quando morou em São Paulo, nos primórdios da fundação da USP, lá pelos anos trinta, plantou uma bananeira na rua Bela Vista, junto a um pé de carambola.

Quando voltou ao Brasil, já não existia a casa número 232 da rua Cincinato Braga. Ele havia descrito a capital no livro "Saudades de São Paulo", publicado em 1996. E narrou sua decepção em "Tristes Trópicos". Constatou que São Paulo se transforma a tal velocidade, que é impossível obter seu mapa: cada semana demandaria uma nova edição.

Assim ocorre em quase todas as cidades brasileiras. O desamor à tradição. Pensar que Jundiaí teve construções de várias épocas, o "Porto de Sal" da Senador Fonseca, o Asilo "Barão de Jundiaí", na rua do Rosário, a antiga sede do Tênis Clube, na esquina da Rangel com a Padroeira, a "quase floresta" que ladeava o Mosteiro de Sant'Ana, que nós chamamos simplesmente "São Bento"! A Escola Normal com suas palmeiras imperiais, em plena Barão de Jundiaí.

As famílias construíam belas residências em pleno centro. Um conjunto de casas à Barão de Jundiaí, no quarteirão à esquerda logo após o Politeama. A residência de estilo inglês de Elsie e Adam Sidney Berry Gray, engenheiro da Cia. Paulista de Estradas de Ferro, na Rangel Pestana. Ali também, a construção art-nouveau que foi a morada dos Penido Burnier e, depois, dos Romeu Marchi. A edificação senhorial em que residiu Orlando Rômulo Paschoal e depois serviu à família Sperry Cesar.

Quem se lembra da mansão de Salim Gebran na Barão de Jundiaí? E conjuntos habitacionais que mostram aos construtores de hoje que a casa popular não precisa ser inóspita, feia, como esses pombais sem qualquer vegetação dos empreendimentos contemporâneos. Aquelas casas de tijolo aparente à rua França, que serviam para os funcionários da Companhia Paulista de Estradas de Ferro. Poderiam refletir uma época, desempenhar um modelo a ser analisado pelos estudantes de arquitetura, e não só para eles. Para a sociologia, a psicologia, a história, a preservação dos modos de vida.

Jundiaí perdeu a identidade de suas ruas e não trocou o belo por algo compatível. Não se cultiva o sentimento de pertencimento à comunidade. Projetos de revitalização do centro não faltaram. Lembro-me da proposta de unificação de um corredor ecológico que viria desde o triângulo formado pela Leonardo Cavalcanti e Rosário, valendo-se do espaço verde da família Hermes Traldi, acolhendo os jardins de São Bento, prolongando-se por uma trilha que embelezaria uma região tão carente de beleza.

Tomara que a sanha demolitória não invente de destruir o prédio do Conde do Parnaíba, como já quis derrubar o Solar do Barão, salvo pela valiosa intervenção de não jundiaienses.

É preciso amar a cidade e valorizar o que ela já teve. Jundiaí não começou hoje. Os testemunhos de sua História merecem respeito.

José Renato Nalini é reitor de universidade, docente de pós-graduação e Secretário-Geral da Academia Paulista de Letras (jose-nalini@uol.com.br)