Ingredientes
Para rechear
Para cobrir
A pesquisadora Juliana Venturelli, em sua investigação de mestrado que resultou na dissertação “Narrativas Culinárias e Cadernos de Receitas do Sul de Minas: da Memória Oral à Memória Escrita” e também em documentário de mesmo nome, fez descobertas interessantes sobre receitas transmitidas oralmente e registradas em cadernos por cozinheiras e cozinheiros daquela região brasileira. A pesquisa foi feita no Programa de Pós-Graduação em Memória Social da Unirio, com a orientação do professor José Ribamar Bessa Freire.
A busca pelas receitas recolhidas na oralidade e nos escritos cobriu onze municípios do Sul de Minas Gerais, todos com menos de setenta mil habitantes, na região que é recortada pela Estrada Real, no chamado Caminho Velho.
“A riqueza e a diversidade da comida mineira estão justamente na manutenção da tradição antiga, tanto em ingredientes (originários do seu território) quanto nas técnicas de cozimento (fogão e forno à lenha). A comida mineira, além de refletir a identidade do seu povo, revela o modo de expressão da memória coletiva dentro das comunidades afetivas que se formam e se reinventam em volta dos fogões e das mesas. O fazer e o comer são manifestações de um modo de vida que envolve hospitalidade, generosidade e grandes pitadas de afeto.”, afirma a autora.
Chamou minha atenção o que ela diz sobre as transformações nos sistemas de produção de alimentos, que dificultou o acesso aos ingredientes “tradicionais”, e obrigou cozinheiras e cozinheiros a seguir inovando e reinventando. Um exemplo citado foi o de Chiquinha Mariana, proprietária de uma padaria que adaptou receitas antigas como a “rosca da rainha”, cuja fermentação era feita de forma natural e levava muitos dias até ficar pronta. Hoje usa-se fermento industrializado e a batedeira industrial modernizou o processo. A principal característica da rosca era a textura de um tecido leve, que se rasgava e não esfarelava como as roscas de hoje em dia, e certo gosto ácido provocado pela fermentação caseira. Mas, se por um lado, havia um sabor especial, por outro, havia o sacrifício de sovar a massa, jogar para cima, bater, rebater e esfregar.
“Chiquinha simplificou várias receitas e alega que acabou-se o tempo do sofrimento. Ela adaptou técnicas modernas para muitas receitas antigas, aprendidas com mãe e avós”, afirma a autora que publicará sua pesquisa no livro Lenha no fogão: entre prosas e receitas, com fotos, receitas e o documentário.
Inspirada por esse mundo de gente que cozinha, gosta do que faz e resiste à globalização, trouxe hoje para os leitores uma receita adaptada ao nosso tempo de Natal. Originalmente seu recheio eram pedacinhos de goiabada, que troquei por frutas cristalizadas, mas se alguém se interessar poderá manter a goiabada, inclusive na cobertura.
Leve ao fogo o leite, a água, o sal e o açúcar até a mistura ficar homogênea. Deixe esfriar e bata no liquidificador por três minutos com os demais ingredientes da massa, exceto a farinha de trigo e as frutas cristalizadas. Despeje em uma vasilha essa mistura líquida e vá acrescentando aos poucos a farinha e as frutas, amassando até dar o ponto de enrolar. Faça um cordão e modele uma trança unindo as duas extremidades. Após trançar, coloque em assadeira untada com manteiga e polvilhada com farinha. Cubra e deixe descansar até dobrar de volume. O tempo vai variar segundo a temperatura local. Em clima quente, a massa cresce em quarenta minutos. Ao contrário, diante de termômetros mais baixos, pode levar o dobro. Estando bem crescida, pincele de leve com mistura de gema e leite e leve ao forno preaquecido por cerca de cinquenta minutos. Faça uma calda rala e com ela pincele a rosca à saída do forno. Polvilhe o coco ralado e decore com as cerejas. Os ingredientes acima listados rendem uma rosca bem grande.
Sonia Machiavelli é professora, jornalista, escritora; membro da Academia Francana de Letras