Uma exposição polêmica nos espaços da Caixa Cultural chamou a atenção de todos para os limites e insurgências de interesses diferentes do propósito do artista.
Escrevi sobre ela no meu artigo de 18 de novembro, neste jornal. Ali foi duramente punida a artista jundiaiense Marilia Scarabelo, e seu grupo foi posto para fora dos espaços da Caixa Federal. Falo isso porque segunda-feira se encerrou o edital aberto para um chamamento de uma ocupação para compor a exposição na galeria "Olga de Brito" no Centro das Artes, por ocasião de sua inauguração. Nada mais normal se não fosse a forma de inscrição.
A inscrição, para ser legitimada, exigia dos artistas uma documentação enorme com todos os requisitos de uma empresa, e como se não bastasse deveria estar em dia com todos os níveis de recolhimento, ou seja, apresentar um CNPJ inscrito em Jundiaí desde 2021 e que estivesse em dia com os tributos municipais e federais, regularidade com o FGTS e débitos trabalhistas.
A saber do nível de endividamento do povo brasileiro, isso por si só já faz um corte enorme, ou então evidentemente o artista não se inscreverá. Apesar de ter a possibilidade que é dada de que possa ser apresentado por uma empresa de curadoria de arte, com seus CNPJ's e documentações, o que também não estará 100 por cento em dia. E, aliás, onde estão essas empresas? Certamente serão as empresas de publicidade que podem se expandir nas áreas de artes, apesar de serem de marketing, o oposto do que deveria ser a arte.
Outro sinal de mal-estar é que quem se inscrever primeiro, entra! Isso não aparecia no edital. Mas agora está valendo... Acho importantes essas exposições com participações populares de artistas fora do mercado, e até ingênuos, e também de grafiteiros e de todos os que aqui se fazem representar em seus grupos de artistas. Como concordar e aceitar passivamente esse tratamento para fazer uma exposição? Isso não existe!
Se for numa praça, como na Praça da República nos anos 70/80, foi tudo muito democrático e funcionava bem. Domenico De Masi (1938-2023), em seu livro "Ócio Criativo", defende uma sociedade pós-industrial e afirma a importância do tempo livre em alegria e desenvolvimento cultural: "os países industriais não sabem mais rir e nem se divertir". É retrogrado qualquer tipo de censura ou dificultação de expressão de arte nos dias atuais, o que se vê é uma organização amadora que tenta fazer às pressas uma exposição; e faz à sua maneira, um edital com base na burocracia, onde as diversas camadas de exigências fazem papel semelhante ao de censura. De Masi continua: "alguns países... mais ricos culturalmente poderiam ter capacidade para dar o salto, porém antes devem derrotar uma doença endêmica do seu sistema, a principal inimiga da criatividade: a burocracia".
O resultado saiu nesta ultima sexta-feira no Diário Oficial. Dos 51 inscritos conseguiram se habilitar apenas 27. O desejo da Fundação Casa da Cultura está aí e o propósito não tem nada a ver com a palavra cultura.
Eduardo Carlos Pereira é arquiteto e urbanista, integrante do grupo Segurança que participou da 13ª Bienal de São Paulo em 1973 (edupereiradesign@gmail.com)