23 de novembro de 2024
OPINIÃO

Tempo de contar

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Joel Silveira foi um jornalista brilhante. O sujeito viveu de tudo um pouco. Conversou com presidentes, ditadores, artistas, bandoleiros... Reportou grandes fatos internacionais, como a Segunda Guerra Mundial, na década de 1940, ou a crise do Canal de Suez, nos anos de 1950, ou ainda a queda do franquismo e a redemocratização da Espanha, na década de 1970. No Brasil, entrevistou (ou quase) políticos como os ex-presidentes Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e Jânio Quadros. Traçou perfis de escritores como Graciliano Ramos – com quem conviveu no Rio de Janeiro -, pintores como Emiliano Di Cavalcanti – de quem foi amigo – e Cândido Portinari – a quem entrevistou. Seu livro "Tempo de contar" reúne algumas das entrevistas, perfis e reportagens escritas por Joel Magno Ribeiro da Silveira, nome extenso de um talento ainda maior. Nascido em 1918 em Lagarto, cidade do interior sergipano, Silveira dizia-se sempre ligado ao jornalismo. No antigo curso ginasial fundou jornal estudantil. Começou ali o repórter que, décadas depois, seria louvado como dos melhores que o Brasil conheceu. Mudou-se para o Rio de Janeiro, onde iniciou o curso de Direito, sem concluí-lo. Trabalhou desde sempre em redações de jornais e revistas. Para os Diários Associados, foi correspondente na Segunda Guerra Mundial, entre 1944 e 1945. Dizia que chegou à Itália com 26 anos de idade e, passados cerca de oito meses de conflito, voltou ao Brasil "com 40 anos".

"Tempo de contar" foi um dos 40 livros escritos por Silveira, dentre reportagens, romances e memórias. Nesse volume, o autor impôs-se um limite de até 500 laudas datilografadas para reescrever algumas de suas reportagens e entrevistas. E haja histórias e personagens. Silveira entrevistou num presídio cangaceiros do bando de Lampião – e o retrato pintado pelos jagunços do seu ex-chefe não é dos mais lisonjeiros. No Egito, nos anos de 1950, conseguiu entrevistar o general Muhammad Nagib, líder de um recente golpe de estado e presidente empossado. Mas quem lhe chamou a atenção foi um coronel a quem o novo presidente sempre ouvia antes de responder, um certo Gamal Abdel Nasser. Pouco depois, Nasser passou a ser o todo-poderoso líder egípcio. Do amigo Di Cavalcanti ouviu muitas histórias dos salões da aristocracia paulistana frequentados pelo pintor. As informações renderam reportagem de grande repercussão em jornal de Assis Chateaubriand, de quem Silveira ganhou o apelido de "a víbora". Por sinal, há um documentário facilmente encontrado na internet produzido pelo também jornalista Geneton Moraes a respeito de Silveira, chamado "Garrafas ao mar: a víbora manda lembranças". Vale conferir. 

Voltando ao livro, tem histórias com o compositor Catulo da Paixão Cearense, os generais Góis Monteiro e Cordeiro de Farias, os escritores Monteiro Lobato e Menotti Del Picchia, o poeta Manuel Bandeira. E até o cubano Fidel Castro, na época um jovem estudante de Direito, dá as caras (e alguns tiros), numa ocorrência em Bogotá, na Colômbia, em 1947.   

Joel Silveira morreu em 2007, no Rio de Janeiro, pouco antes de completar 89 anos.

Fernando Bandini é professor de literatura (fpbandini@terra.com.br)