Nasci na Vila Progresso, aqui mesmo em Jundiaí e foi ali, que passei minha infância, adolescência e juventude. Mas a casa, o terreno, a rua, estão vivos em minha memória, mesmo não sei quantas décadas depois, apesar de tudo aquilo ter se transformado num galpão não sei de quê. Foi ali que eu via, todo dia, seu Alcindo cuidando de sua horta, de seus canteiros, de seu pomar e até do jardim, sem contar do vinho de laranja que ele preparava com carinho num barracão que a gente chamava de rancho, no quintal. E na horta de seu Alcindo tinha de tudo que se possa imaginar: almeirão de primeiro corte, alface lisa, alface crespa, couve, cebolinha, salsinha, cenoura, rabanete e até morango. E todos os dias, depois que chegava do trabalho, seu Alcindo trocava de roupa e lá ia para o quintal cuidar da horta, aguar as plantas e conferir, um a um, todos os canteiros. Sempre que tinha um novo canteiro, seu Alcindo se preocupava com os pássaros que podiam vir comer as sementes ou as folhas. Por isso, cercava o canteiro com linha, cruzava por cima das sementes, aguava tudo com carinho e depois sentava junto à porta da cozinha para fumar seu cigarro, saborear um gole de cachaça e apreciar as folhas verdes das verduras ou sentir, mesmo que com os olhos, a delícia da goiaba, do mamão, do caqui, da pera, da ameixa, das laranjas e até mesmo do abacate.
Era difícil ver seu Alcindo doente, por isso, todo dia lá estava ele, tirando os matinhos que faziam questão de aparecer no meio das verduras. Mas não era difícil ver seu Alcindo bravo ou... fazendo de conta que estava... Basta lembrar que sua grande irritação com os filhos estava no canteiro de cenoura. E não era com um dos filhos. Era com todos! Todos os seis!!!
Este era nosso canteiro preferido. Gostávamos de saborear folhas de couve. Tirávamos do pé, passávamos na água e saíamos comendo, enquanto brincávamos. Mas cenoura era especial. Víamos o tamanho das folhas e, por elas, imaginávamos o tamanho da raiz. E pronto! Colhíamos e comíamos satisfeitos, mas... Ah brincadeira inocente de criança traquina!!! Depois de saborearmos a cenoura, pegávamos as folhas e recolocávamos no canteiro, exatamente no lugar onde tínhamos tirado. E no dia seguinte, quando seu Alcindo ia colher algumas cenouras para que dona Angelina fizesse a sopa para o jantar, ele se deparava com a surpresa: a cenoura tinha desaparecido. Só haviam as folhas.
A bronca era geral, ninguém assumia a culpa pela traquinagem. Mas a gente ficava feliz, não por ter tentado enganar seu Alcindo, mas por ver, no rosto e nos olhos dele um olhar de satisfação por gostarmos daquilo que ele cuidava com tanto carinho. Bronca ele dava mesmo quando colhíamos a cenoura e recolocávamos no chão, pois ainda eram pequenas para serem saboreadas. Aí, ela morria e a bronca era por não fazer direito. "Comam, comam sim, mas antes de colher, verifiquem o tamanho da raiz". E lá ia ele, pacientemente, retirar a terra de volta das folhas até aparecer a cenoura. Meu pai mostrava parte da raiz e sugeria quantos dias faltavam para saborearmos a mesma. Mas depois vinha outra orientação: "deixem para dona Angelina fazer a sopa, senão terei que comprar cenoura na feira..."
Olhar tudo isso com saudade é deixar estes olhos umedecidos, lentes dos óculos embaçadas e uma vontade louca de inventar uma máquina do tempo só para voltar atrás e viver tudo novamente. Com as mesmas traquinagens, com as mesmas brincadeiras, mas principalmente com as mesmas broncas carinhosas deste homem que viu todos os filhos formados. Mesmo que não tenha visto Toninho virar doutor, mas satisfeito por ouvir suas homilias na missa, tanto que foi com ele que trocou as últimas palavras antes de partir...
Nelson Manzatto é jornalista (nelson.manzatto@hotmail.com)