23 de novembro de 2024
OPINIÃO

Índio quer apito e muito mais

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Zarcillo Barbosa

O Senado, turbinado, aprovou projeto de lei da bancada ruralista, estabelecendo que a demarcação de terras indígenas só pode ocorrer se for comprovado que os povos originários estavam sobre o espaço requerido em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.

O STF acaba de considerar ilegal a tese desse chamado "marco temporal", por que a Constituição reconheceu direitos aos indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam, independentemente de datas. Existem tribos na Amazônia que só foram contactadas pelos brancos em 1999.

Os congressistas acusam os ministros do Supremo de usurparem sua competência, elaborado normas que seriam atribuições do Legislativo. Lula já disse que vai vetar o projeto aprovado pelo Congresso, ou, pelo menos, os jabutis colocados nos galhos dessa árvore, como permitir a plantação de transgênicos, exploração agropecuária e madeireira, atividades de mineração e outros itens que levam a desmatamentos destruição do meio ambiente e disputas violentas pela posse de terras.

Se Lula não vetar integralmente, o STF disso se encarregará. As glebas ocupadas de boa-fé, teriam que ser indenizadas. Muitos agricultores familiares compraram e pagaram, com os produtos da terra, os sítios onde habitam há décadas e criaram os filhos. Fala-se em indenizações apenas sobre as benfeitorias, o que seria uma desumanidade.

Contadas as áreas demarcadas ou em processo de demarcação, os chamados "povos originários" têm terras em extensões somadas, equivalentes aos territórios dos Estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina e metade de São Paulo.

E continuam morrendo à míngua, como os ianomamis, dizimados pela fome e doenças infectocontagiosas. A nação ianomami dispõem de uma área maior que as da Bélgica e a Holanda, juntas.

A lei diz que as demarcações visam proteger os territórios de possíveis invasões e ocupações de não-índios. E ainda, resguardar a identidade, modo de vida e tradições da cultura desse povo. Querem que eles sobrevivam da caça, da pesca e da cultura da mandioca.

Nos Estados Unidos, os índios são mais espertos. Visitei, há alguns anos, a reserva dos Mashantucket e Mohegan, em Connecticut, não muito longe de Nova York, onde as duas nações tribais se uniram à MGM e construíram o maior Casino-Resort do mundo em suas terras. São 2 mil caça-níqueis e 150 mesas de bacarat e blackjack em salões que equivalem a quatro campos de futebol.

O lucro anual, na ocasião, era de 200 milhões de dólares. Cada membro da tribo havia acabado de receber um cheque de 9 mil dólares, inclusive os nenês.

As matas, rios e lagos da reserva, todos preservadíssimos. Em torno do resort-casino, índios e índias circulavam com seus Cadillacs. No Arizona, 21 tribos fizeram acordo com o Governo do Estado e estão investindo pesado em entretenimento.

Na Flórida, a tribo Seminole, quase dizimada na colonização dos Estados Unidos, sobreviveu do empreendedorismo em suas terras. Em 2006 comprou o Hard Rock Café, rede mundial de casinos, hotéis, restaurantes e danceterias, por quase 1 bilhão de dólares.

Lá, na América do Norte, eles entendem que os descendentes dos nativos que Colombo chamou de "índios", porque pensava ter chegado à Índia, podem se desenvolver dentro do mundo civilizado. Não são obrigados a continuar se comunicando com sinais de fumaça branca, em tempo de celular, muito menos de andar de tanga. Protegendo a fauna, a flora, rios e mananciais do seu latifúndio, tudo bem.

Se quiserem preservar danças ancestrais e cobrar dos turistas que quiserem vê-los, também está ótimo. Como todo cara pálida, pele vermelha também tem direito de ser feliz e aproveitar as comodidades da vida moderna.

O tema da velha marchinha de Carnaval de Haroldo Lobo (1961) já não vale mais: "Índio quer apito, se não der pau vai comer!"

Passou da hora de brigar por muito mais.

O autor é jornalista e articulista do JC.