É o nome do movimento mais importante do cinema brasileiro, também o de um curta-metragem de Joaquim Pedro de Andrade sobre o período: "Cinema Novo". Para alguns autores, esse movimento teve início nos anos 1950, com o lançamento de "Rio, 40 Graus", de Nelson Pereira dos Santos. Para outros, desenha-se o rompimento definitivo um pouco depois, a partir de filmes como "Bahia de Todos os Santos", "Arraial do Cabo" e, já em 1962, "Os Cafajestes" e sua conexão direta com a geração da contracultura.
Como todo movimento, é difícil precisar um início e um fim. Arrisco precisar o ápice dessa produção revolucionária, momento único ao cinema nacional: o triênio 1962-64, com "Cinco Vezes Favela", "Ganga Zumba", "Os Fuzis", "Porto das Caixas", "Deus e o Diabo na Terra do Sol", "Vidas Secas", entre outros. Um movimento que não se limitou a um estado e que, de festival em festival, ganhou o mundo ao colocar o Brasil na tela.
Por muito tempo valeu a máxima - hoje um clichê - "uma câmera na mão e uma ideia na cabeça". Um cinema que tomava lições do Neorrealismo e, depois, das novas ondas que eclodiram em outros países, que misturava Eisenstein e Rossellini, Oswald de Andrade e mitos do Nordeste. "Em 1962", como lembra Carlos Diegues em "Vida de Cinema", "a bossa nova e o Cinema Novo já se cruzavam pelas esquinas de Ipanema." Era um Brasil no ápice de sua produção cultural, de gênios visíveis, um Brasil que parecia dar certo.
Com o golpe de 64, os autores do Cinema Novo entram em uma segunda fase do movimento, com filmes mais reflexivos, que tentam responder de imediato àquele momento de ruptura: Paulo César Saraceni com "O Desafio", Glauber com "Terra em Transe", Nelson Pereira dos Santos com "Fome de Amor". Os filmes ficam mais amargos. Vem o tropicalismo, o antropofagismo em filmes fundamentais como "Macunaíma" e, já entrando nos anos 1970, "Azyllo Muito Louco" e "Como Era Gostoso Meu Francês".
No documentário "Cinema Novo", de Joaquim Pedro, vemos a produção dessa segunda fase: Glauber filma "Terra em Transe", Diegues lança "A Grande Cidade", Arnaldo Jabor faz a montagem de "A Opinião Pública" e Domingos de Oliveira e seu elenco trabalham na dublagem de "Todas as Mulheres do Mundo", com a musa Leila Diniz. E vemos também a amizade entre os realizadores: o encontro em um barzinho carioca e a festa ao redor da música de Vinícius de Moraes e Maria Bethânia, com os próprios cantando.
Além de grandes cineastas, o Cinema Novo imortalizou a imagem de alguns atores na tela: Othon Bastos e Maurício do Valle em "Deus e o Diabo", Norma Bengell e Jece Valadão em "Os Cafajestes", Fernanda Montenegro em "A Falecida", Walmor Chagas em "São Paulo, Sociedade Anônima", Helena Ignez em "O Padre e a Moça", Paulo José e Leila Diniz em "Todas as Mulheres do Mundo", entre outros.
"Por diferentes caminhos, o cinema brasileiro [desse período] trabalhou as tensões entre a ordem narrativa e uma rica plástica de imagens, fazendo 'sentir a câmera' como era próprio a um estilo que questionava a transparência das imagens e o equilíbrio da decupagem clássica", observa Ismail Xavier, em pequeno mas fundamental livro sobre o período, "Cinema Brasileiro Moderno". Claro que o Brasil continuaria a produzir grandes filmes nas décadas seguintes. Continua até hoje. Contudo, em período tão curto, nada se compara ao que se viu nos anos 1960, antes e depois do malfadado golpe militar.
Rafael Amaral é crítico de cinema e jornalista; escreve em palavrasdecinema.com; contato em ramaral@jj.com.br