23 de novembro de 2024
Opinião

O evento da vez é rosa

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O filme-evento já teve outras cores. E já pertenceu a todos os gêneros: drama, épico, aventura, terror. Encontrou possibilidades até no erotismo, como ocorreu, anos atrás, com o sucesso de "50 Tons de Cinza" e suas continuações. Em todos os casos, o sentimento de "fazer parte" atropelou o filme: as pessoas foram aos cinemas guiadas mais pelo evento do que pela arte e suas possíveis qualidades, a começar pelos nomes nos créditos.

O evento tem a ver com a publicidade, com o boca a boca, com a moda. É o buzz. O evento da vez assume a cor rosa. É "Barbie", de Greta Gerwig. Um sucesso declarado antes da estreia. "A maior pré-venda do ano", comemorou seu estúdio, em publicidade, nas redes sociais. Não importa mais o que a crítica escreva ou diga; não importa mais se os fãs saírem do cinema desanimados. "Barbie" consolidou seu lugar de destaque. Está na moda. E quem não o assistir corre o risco de não aderir ao festim passageiro.

Filme-evento não é um fenômeno novo. Remonta ao período clássico. "E o Vento Levou" foi o grande filme-evento de sua época. O livro em que é baseado, de Margaret Mitchell, teve seus direitos comprados pelo produtor David O. Selznick por 50 mil dólares. Uma ninharia. O próprio Selznick teria dado mais 50 mil para a autora mais tarde. O livro, como sabemos, foi um sucesso estrondoso. A expectativa pelo filme era alta. O público chegou a fazer uma campanha para escolher quem interpretaria Rhett Butler, papel que terminou nas mãos de Clark Gable. O mesmo público foi em peso aos cinemas e, por décadas, "E o Vento Levou" foi a maior bilheteria da História do Cinema (corrigida a inflação, talvez ainda seja).

A maneira de vender filmes mudou sobretudo a partir dos anos 1970. O modo industrial de antes, somado ao investimento bem distribuído entre filmes de um mesmo estúdio, deu lugar a um jogo no qual os produtores perceberam que deveriam apostar suas fichas em alguns cavalos, em detrimento de outros. A concorrência com outros meios de comunicação de massa era grande. Levar o público aos cinemas não era mais tão simples.

A proposta e o apelo dos filmes-eventos, nesse contexto, foram fundamentais para sedimentar algumas franquias de sucesso. "O Exorcista", de William Friedkin, arrastou multidões aos cinemas. Como lembra a crítica Pauline Kael no ensaio "Do Futuro do Cinema", de 1974, a partir de uma citação publicada na Variety, muitas pessoas estavam indo ver "O Exorcista" porque queriam saber "o que está fazendo todo mundo vomitar".

Ou seja, o evento estava criado. Não se tratava mais de o filme ser bom ou não (muita gente considera o trabalho de Friedkin uma obra-prima do gênero). O que estava em jogo era o evento, o boca a boca a respeito do medo que gerava, das reações que levaram alguns a abandonarem a sessão. "Um crítico fala uma vez, ou talvez duas. Os publicitários são uma força invisível martelando o público dia após dia", escreveu Kael no mesmo ensaio.

O sonho de todo produtor é ter um filme-evento para chamar de seu. Algo como "Guerra nas Estrelas", "Titanic" ou mesmo produções mais modestas, como "Bruxa de Blair". A bola da vez - ou a moda da vez - é "Barbie". O que esperar da diretora de "Lady Bird" e "Adoráveis Mulheres" no comando do mundo cor-de-rosa e perfeitinho da boneca mais famosa do mundo? O que esperar de um roteiro que, além de Gerwig, tem o nome de Noah Baumbach, a mente criativa por trás de "História de um Casamento", "Frances Ha" e "A Lula e a Baleia"? A resposta, para mim, ainda é um mistério.

Rafael Amaral é crítico de cinema e jornalista; escreve em palavrasdecinema.com (ramaral@jj.com.br)