27 de dezembro de 2024
Opinião

Indiana Jones não cabe mais no mundo atual

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A pouca empolgação dada a "Indiana Jones e a Relíquia do Destino" em sua estreia diz muito sobre os nossos tempos: aquele que foi o grande herói de uma geração, o arqueólogo de chapéu e chicote envolvido em situações um pouco cômicas, que esmurrava nazistas e soviéticos, parece ter perdido espaço para heróis com máscara e superpoderes.

Não causa surpresa se os mais jovens não se lembrarem de Indiana Jones, interpretado por Harrison Ford, agora em sua quinta aventura. A máquina hollywoodiana é estranha e implacável (no pior sentido): o que era sensação há uma ou duas décadas hoje, para muitos, soa velho. O escapismo dos anos 1930 foi suplantado pelo cinismo dos 1940, tal como a politização dos 1960 e 1970 pela infantilização dos 1980, por exemplo.

A época em que Indiana Jones foi o herói número um, a era Reagan, também recorreu ao escapismo, à ingenuidade, à aventura que nos dava a certeza de que os americanos - infalíveis na defesa de sua bandeira e de seus valores - colocariam os inimigos da nação para correr. Mas ninguém ia ver "Indiana Jones" para consumir política; pelo contrário, a política era pano de fundo para o professor cercado por confusões, relíquias, em lugares inóspitos.

Indiana Jones podia ser incorreto e conquistador, e suas falhas só o tornavam mais cinematográfico. Nas formas de Harrison Ford, confiávamos nele. Tamanha a presença e a identificação com a personagem, foi difícil, mais tarde, ver Ford interpretar um vilão. Para não dizer impossível. Isso aconteceu no esquecido "Revelação", de 2000.

O recente "Relíquia do Destino" não é um grande filme. Longe disso. É uma aventura passageira, com momentos empolgantes e situações difíceis de engolir mesmo em um filme de Indiana Jones. É o único da franquia que não é dirigido por Steven Spielberg, e não é o pior dos cinco. O pavoroso "Caveira de Cristal" - com a passagem em que Indi sobrevive a uma explosão nuclear graças a uma geladeira - ocupa o posto.

"Relíquia", dirigido por James Mangold, transfere-nos à Segunda Guerra Mundial. Indiana Jones sobrevive aos nazistas, luta contra um batalhão deles, disfarça-se e está mais jovem graças aos milagres dos efeitos digitais. Depois somos levados a 1969, com Indi mais velho e Neil Armstrong perto de pisar na Lua. É o futuro, com o arqueólogo fora de moda.

A ação física dos primeiros filmes, nos anos 1980, cede espaço à enxurrada de sequências construídas em estúdio, com fundo verde ou azul, a ponto de ser difícil saber se algo foi realmente filmado em locação. Não demoramos a notar que se trata mais de regra do que de exceção: ao mesmo tempo em que tenta ser um elogio ao passado, é não mais que um filtro, produto da digitalização obsessiva dos nossos tempos. Uma diversão imóvel (pela falsidade de algumas cenas) que se pretende móvel e real, uma pretensa ode às velhas aventuras transpassada pela mais frenética ação de nossa época.

Sim, Indiana Jones não cabe mais no mundo atual. E isso não tem nada a ver com ele, um dos heróis mais divertidos do cinema. A culpa, penso, é do distanciamento que o cinema tomou das coisas físicas, ajudado pela "segurança" do fundo verde ou azul. De certa forma, ainda que com mais barulho e movimento, retornamos aos anos 1930.

Mangold não aprendeu com os erros de "Caveira de Cristal" e se viu vítima do artificialismo, do pouco espaço para a construção de personagens e para estabelecer relações entre as mesmas. No filme todo não conseguimos enxergar qualquer laço sentimental entre a Helena de Phoebe Waller-Bridge e Indiana Jones, fundamental para a história funcionar. Não conseguimos sequer crer na bandidagem praticada pela mulher e, se no caso dele ainda cremos no tamanho do herói, é porque o chamam de Indiana Jones.

Rafael Amaral é crítico de cinema e jornalista; escreve em palavrasdecinema.com;  (ramaral@jj.com.br)