O resgate das 4 crianças Colombianas, vítimas de queda de avião na Selva Amazônica, é um exemplo da combinação exitosa entre tecnologias tradicionais e tecnologias disruptivas e habilitadoras. A gente costuma se confundir com o conceito de tecnologia, vinculando-o a gadgets (dispositivos eletrônicos), à disrupção de mercados, computadores, inovação… Mas tecnologia se refere ao conjunto de conhecimentos técnicos, habilidades, métodos, processos utilizados na resolução de problemas e na melhoria das condições de vida. As tecnologias tradicionais são aquelas que têm sido utilizadas há muito tempo e que resistem a mudanças ou adoção de novas abordagens, enquanto as tecnologias disruptivas são o contrário, rompem com o modus operandi contemporâneo, transformando comportamentos. As tecnologias habilitadoras são aquelas que fornecem a base para o desenvolvimento de outras tecnologias e soluções inovadoras, como TIC (tecnologia da informação e comunicação), nanotecnologia, biotecnologia…
A Floresta Amazônica é a floresta mais densa do mundo, repleta de perigos. A região da queda do avião, praticamente inexplorada, é um corredor de onças e serpentes extremamente venosas, como as surucus. Eu só fui a Manaus uma vez para participar de um evento de empreendedorismo que aconteceu num barco atracado no Rio Amazonas. Me lembro de não ter conseguido dormir de tanto calor e, ao raiar do sol, saí para passear em um pequeno trecho da floresta que levava a uma prainha. Passei ali perto de 20 minutos, quando voltei, fui fortemente advertida que não poderia ter ido sozinha. É claro que onças e jacarés estão entre os maiores perigos, mas picadas de aranhas, escorpiões, sapinhos e formigas quase imperceptíveis a olhos desavisados como os meus são letais.
Essas 4 crianças eram indígenas Uitoto e durante toda as suas vidas foram treinadas a respeitar, observar e conhecer a Floresta. Elas tinham acesso à tecnologia tradicional de sobrevivência na Selva, principalmente a mais velha, de 13 anos que orientou, alimentou e protegeu seus 3 irmãos de 9, 4 anos e 11 meses. Essa tecnologia, que os soldados passam por rigorosos treinamentos para se capacitar, somada às tecnologias habilitadoras e disruptivas como os aviões, dispositivos de visão noturna, navegação (GPS) e comunicação foram essenciais para encontrar as crianças. Para os pediatras, um bebê de 11 meses sem água não viveria mais de 3 dias e, portanto, consideram o evento um milagre. Para os indígenas, a Selva oferece nutrição e medicamento, proteção. Ouvi de um líder indígena que foi a Selva que os salvou: diferentes pontos de vistas sob o mesmo enfoque. Para mim, o ápice do respeito pelas diferenças aconteceu quando os indígenas se preparavam para entrar na Selva tomando um chá chamado Chínua (que os protege contra espíritos e animais) que também foi compartilhado pelos soldados.
Depois de resgatados a adolescente que nos seus poucos 13 anos de vida: sofreu uma queda de avião, perdeu a mãe, passou 40 dias na Selva cuidando de 3 irmãos mais novos; quis passar os dias em que esteve no hospital assistindo desenho animado. Que a empatia gerada pelo mundo todo, que a insistência do grupo de resgate e o respeito pelas diferenças que esse evento gerou possa transbordar para todos os seres em sofrimento.
Elisa Carlos é especialista em inovação e head de operação (elisaecp@gmail.com)