27 de dezembro de 2024
Opinião

A rosa de Drummond

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Livro fundamental na obra de Carlos Drummond de Andrade, "A rosa do povo", lançado em 1945, reúne alguns dos seus poemas mais conhecidos ("Procura da poesia", "Morte do leiteiro", "Canto ao homem do povo Charlie Chaplin"), engajados ("A flor e a náusea", "O medo", "Nosso tempo") e bonitos (os já citados, mais os versos de "Resíduo" e "Mário de Andrade desce aos infernos"). A lista de preciosidades segue. São 55 poemas, produzidos entre 1941 e 1945, no contexto da ditadura do Estado Novo getulista e da Segunda Guerra Mundial (temas recorrentes no livro). O mineiro de Itabira, nascido em 1902, chegava à madureza trabalhando no Rio de Janeiro como funcionário público no Ministério da Educação comandado por Gustavo Capanema. Complementava o orçamento com traduções do francês. O cronista só emergiria nas décadas seguintes, para fazer história na imprensa brasileira, escrevendo colunas para o "Jornal do Brasil", "Estado de Minas" e "Jornal da Tarde".

Em "A rosa do povo", percebe-se o poeta militante, antifascista, temeroso da vitória nazista na Europa (com seus incontáveis quadros pró-adolfinho encaixados no governo, na imprensa e na vida brasileira). O poeta louva a resistência ao avanço alemão, em "Carta a Stalingrado", "Telegrama de Moscou", "Visão 1944" ("Meus olhos são pequenos para ver/a massa de silêncio concentrada/por sobre a onda severa, piso oceânico/esperando a passagem dos soldados (...)"). Trata da própria fase a ser atravessada, em "Vida madura" ("As lições da infância/desaprendidas na idade madura./Já não quero palavras/nem delas careço (...)"). Fala dos impasses do presente, em "A flor e a náusea" ("Preso à minha classe e a algumas roupas,/ vou de branco pela rua cinzenta,/Melancolias, mercadorias espreitam-me./Devo seguir até o enjoo?/ Posso, sem armas, revoltar-me?"). E projeta o fim em "Últimos dias": "Que a terra há de comer./Mas não coma já./ Ainda se mova,/para o ofício e a posse./ E veja alguns sítios/antigos, outros inéditos./Sinta frio, calor, cansaço;/pare um momento; continue.(...)". O tema aterrador ganha contornos imprevistos e belos: "Descubra em seu movimento/forças não sabidas, contatos./ O prazer de estender-se; o de/enrolar-se, ficar inerte. (...)/Prazer de ouvir música;/ sobre papel deixar que a mão deslize (...)". Um pouco mais de tempo, para um tanto mais de encantamentos: "Irredutível prazer dos olhos;/certas cores: como se desfazem, como aderem;/certos objetos, diferentes a uma luz nova./ Que ainda sinta cheiro de fruta,/de terra na chuva, que pegue,/que imagine e grave, que lembre. (...) a sombra/ da árvore, parada um instante,/alongando-se com o sol, e desfazendo-se/ numa sombra maior, de estrada sem trânsito". E a percepção do destino comum a todos os viventes: "E cada instante é diferente, e cada/homem é diferente, e somos todos iguais./ No mesmo ventre o escuro inicial, na mesma terra/o silêncio global, mas não seja logo." Para arrematar, muitos versos depois: "Adeus, minha presença, meu olhar, (...) sinal meu no rosto (...) ideia de justiça, revolta e sono, adeus. Vida aos outros legada".

 

Fernando Bandini é professor de Literatura (fpbandini@terra.com.br)