21 de dezembro de 2024
Opinião

Cada pessoa é uma nação

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É do biólogo e escritor moçambicano Mia Couto a frase "Cada pessoa é uma nação".

No conceito da ONU, nação está relacionado a um agrupamento de pessoas que têm cultura (costumes, conhecimento e práticas), formando assim um povo dentro de um determinado território. Não somos, portanto, uma folha em branco com uma assinatura. Resultamos da soma de inúmeras coisas.

A jovenzinha me contou que necessitará mudar de escola. Houve uma discussão boba, sem sentido. Ouviu palavrões e os revidou. Virou agressão. A família ficou apavorada. Temem atritos desde que o pai dela que, em outra cidade, "trabalhava" no tráfico, foi morto. Todos eles carregam em si os ruídos da madrugada fatídica com a polícia batendo na porta da casa para avisar do ocorrido. A mãe sempre diz que o pai gostava de bebida. Depois, avançou um passo e, em seguida, ao perder o emprego, foi para o comércio ilícito de drogas. Somaram-se tragédias à história deles.

O menino anda irrequieto e se irrita com a mínima coisa. Enraivecido parte para ataques físicos. Na realidade, passa os dias cismado. O tio saiu da cadeia no final do ano passado. Preferiram esconder dele onde se encontrava o tio. Quando chegou, todo empoderado e mal assombrado, avisou que não temia cadeia - ficou detido cinco anos - e que ninguém mexesse com ele, nem dentro e nem fora de casa. Os avós têm idade e o menino, em um fim de semana, presenciou o tio sacudindo a mãe a fim de conseguir dinheiro para as drogas. O pequeno considera que, se estiver na casa, poderá defender os avós.

Penso sobre as nações dos pequeninos em um mundo com tantos desencontros e violência. Quais serão os costumes, os conhecimentos, as práticas de quem mora espremido em casas grudadas pela miséria? Quais serão os de quem mora em condomínio de luxo e os pais trocam o diálogo com os filhos pelo celular?

Um dia desses, uma querida minha me relatou um fato sobre seu tempo de creche. Havia no local um pé de maracujá doce com abelhas, borboletas, aves. Quando ventava e chovia, as crianças corriam recolher os frutos que haviam caído no chão. Frutos direto da árvore possuem sabor diferente. Em cima dessas lembranças, tantas coisas amargas foram acrescentadas. Sei um pouco de sua história e de seu convívio com mulheres e homens de outras nações. No entanto não conseguiram sepultar a sua memória com maracujás doces.

Tenho um quadrinho, que ganhei de minha cunhada, com a frase: "Eu tão singular, me vi plural".

A cada vez que me deparo com uma situação de preconceito me vem essa frase.

Fui criada como biscuit, com mimo. Uma experiência primeira de singular. Isso sem dúvida foi muito bom. Não me permitiu enrudecer, embora, ao longo de minha vida, tenha sido rude em algumas situações, das quais depois tive a oportunidade de pedir perdão.

Aos 13 anos, no contato com meninas de orfanato próximo de onde residia, abri mão do biscuit para constatar que somos todos feitos do mesmo barro. Vieram histórias trágicas para o meu colo. Compreendi que as pessoas são somas, mais ou menos vezes, do que não desejavam para sua história. Somas que não experimentei, embora sejamos a mesma Nação.

Isso me chama a não julgar em hipótese alguma, embora carregue meus valores, crenças e meu pingos de biscuit.

Maria Cristina Castilho de Andrade é professora e cronista (criscast@terra.com.br)