26 de dezembro de 2024
Opinião

O crime e a vítima

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A ocorrência de um fato classificado como crime envolve dois personagens, o autor e a vítima, entre os quais há órgãos com atribuições definidas em lei, atuando desde o atendimento do fato, registro da ocorrência e atividade de investigação, que são funções das "polícias", como a acusação do autor do evento delituoso a cargo do Ministério Público, o exercício do direito de defesa desse acusado por parte de advogado ou defensor público e o Poder Judiciário, que na figura do juiz tem a missão de aplicar a lei ao caso concreto.

Nessa relação, ultimamente a figura do investigado ganhou destaque e proteção no ordenamento jurídico, proporcionando ao suposto autor uma série de direitos que garante o maior deles, qual seja, a presunção de inocência, até que se prove o contrário. E assim deve ser.

Os órgãos de segurança pública, por sua vez, passaram a ser fiscalizados como nunca, a fim de evitar transgressões que firam direitos dos investigados, a ponto de muitas vezes a polícia ter que provar que sua ação foi legítima. Isso não significa que as polícias queiram descumprir os protocolos legais de atuação, mas fato é que suas atividades são reavaliadas em todas fases do processo, assim como nas mídias em geral.

E a vítima, tão "importante" para a consumação de um crime, onde fica nessa história toda? Pois é. Está em segundo, ou talvez terceiro plano.

Se durante o século XX estudos envolvendo a vítima foram desenvolvidos, inclusive com a doutrina denominada "Vitimologia", com base no caráter Humanista do Direito, hoje o que interessa principalmente é preservar o investigado e investigar a legalidade da ação policial.

Restam poucos remédios na lei que garantem algum conforto para quem foi lesado por ação criminosa.

Em 1995 foram criados os Juizados Especiais Criminais, nos quais autores dos crimes chamados de menor potencial ofensivo, como ameaças, ofensas morais, lesão corporal, dano, acidentes de trânsito, perturbação da tranquilidade, entre outros, recebem penas alternativas, dentre elas a reparação do prejuízo à vítima.

Nesse mesmo sentido, a Polícia Civil do Estado de São Paulo instituiu há alguns anos o NECRIM, que é um núcleo de atuação nos mesmos tipos de crime acima citados, mas fazendo uma conciliação entre investigado e vítima, garantindo, consequentemente, reparação à pessoa lesada.

O mais recente remédio jurídico que pode trazer algum benefício à vítima é o chamado Acordo de Não Persecução Penal, que consiste na possibilidade do autor de crimes sem gravidade - geralmente sem emprego de violência ou grave ameaça - dentre outras exigências, efetue o ressarcimento do prejuízo sofrido pela vítima.

Importante ressaltar que para algumas modalidades de crime, como a violência contra mulheres e crianças e nos delitos sexuais, já há uma rede de atendimento às vítimas, garantindo abrigamento e acompanhamento por profissionais especializados.

Mas para a vítima do crime comum, como roubo, que tem uma arma apontada para si, não há qualquer medida ou programa oficial que contribua para restabelecimento de sua paz.

Modernamente o ser humano é visto de forma integral: corpo, mente e alma. Não bastam ressarcimentos materiais, há necessidade de auxílio psicológico para ressignificar o evento danoso. E isso é dever do Estado e também dos planos de saúde. Já a questão espiritual deve ser tratada pela vítima como, quando e onde se sentir confortável. É o único aspecto no qual o Estado não deve atuar, diante do direito à liberdade religiosa. E mesmo assim há lobos na pele de cordeiros que exploram a fé de pessoas fragilizadas.

Marcel Fehr é Delegado de Polícia do Estado de São Paulo.