27 de dezembro de 2024
Opinião

O fascínio pelas estrelas

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O "star system" foi criado pela indústria do cinema americano quando os produtores perceberam que as pessoas gostavam de ver na tela os mesmos atores e atrizes. Nasciam assim as estrelas, que, filme a filme, voltavam às mesmas personagens apenas com algumas variações e eram obrigadas a viver o mesmo papel - outra vida - fora das telas.

O impacto cultural foi imenso até os anos 1960. Mesmo depois, no período que vai dos anos 1970 aos 1990, para um filme de grande orçamento ser realizado era necessário ter um ou mais nomes famosos no elenco. Nos tempos do sistema de estúdios, que teve seu apogeu de meados dos anos 1920 aos anos 1950, as estrelas tinham contratos de exclusividade e filmavam até dois filmes ao mesmo tempo, a depender do caso.

Em que momento os estúdios perceberam que poderiam lucrar alto com o "star system"? "Por volta de 1910, ficou óbvio que os espectadores gostavam mais de certos atores e começavam a expressar suas preferências", explica Antonio Carlos Gomes de Mattos em "Do Cinetoscópio ao Cinema Digital". Até então, os produtores não revelavam o nome dos atores, pois pensavam que isso faria os mesmos reivindicarem melhores salários.

Continua Mattos: "Foi sob a pressão dos espectadores que os produtores começaram a revelar o nome de seus intérpretes". Pouco depois, os filmes de longa-metragem consolidaram-se no mercado e as estrelas, já com salários mais altos, ajudaram a indústria a ter lucros exorbitantes. Muitas pessoas passaram a ir aos cinemas para ver o novo filme de Mary Pickford, o novo de Charles Chaplin ou de Douglas Fairbanks. Nascem os primeiros ícones pop, símbolos sexuais de uma geração, como Rudolph Valentino.

Em meio à Grande Depressão os estúdios nadaram de braçada: os ingressos eram baratos, as pessoas corriam aos cinemas para escapar da realidade. Sonhavam acordadas com os musicais de Fred Astaire e Ginger Rogers, que, filme atrás de filme, interpretavam sempre os mesmos papéis. A regra foi aplicada a outros grandes atores como James Cagney, Humphrey Bogart, Cary Grant e James Stewart até meados dos anos 1940.

Passada a Segunda Guerra e com a chegada da televisão, o "star system" sofria transformações: mesmo que alguns astros e estrelas terminassem em personagens com pouca variação, como Marilyn Monroe (a eterna "ingênua" sexualmente atraente), outros arriscavam o diferente, como James Stewart e Bogart. Uma nova geração de atores, como Montgomery Clift e Marlon Brando, vindos da escola do "Método" de Lee Strasberg, ajudou a aprofundar as mudanças - alinhadas ao nascente cinema moderno.

O cinema atual ainda conserva algumas estrelas, mesmo que elas não sejam garantia de audiência. O público atual encanta-se com franquias, com marcas que se repetem e derivam de livros, gibis, games e até de brinquedos. O fascínio pelo glamour humano deu lugar ao fascínio por universos banhados não raro pela infantilização.

No ano passado, alguns especialistas e graúdos da indústria deram a Tom Cruise o título de "estrela que salvou o cinema" após o sucesso de seu novo "Top Gun". Mas será que o público foi em peso aos cinemas para ver Tom Cruise? Tenho dúvidas. A fórmula dada em "Top Gun" dialoga perfeitamente com nossos tempos, misto de nostalgia anos 1980 e patriotada que põe o herói norte-americano nas nuvens, em momento de claro conservadorismo político. Tom Cruise é só uma peça do jogo.

Rafael Amaral é crítico de cinema e jornalista; escreve em palavrasdecinema.com (ramaral@jj.com.br)