21 de novembro de 2024
Opinião

E o Vittorio?

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Nas redes sociais, após se deparar com meu artigo sobre Roberto Rossellini, na semana passada, um leitor indagou: "E o Vittorio?". Referia-se, claro, a outro importante nome do neorrealismo italiano, o cineasta e ator Vittorio De Sica, dono de obras fundamentais como "Ladrões de Bicicleta". Impossível abordar o neorrealismo sem falar de autores como Rossellini, De Sica, Visconti, além do roteirista Cesare Zavattini.

No caso de De Sica, há uma nítida obra de metamorfoses - como seriam as de outros conterrâneos. Seu sucesso acontece primeiro como ator, dirigido por nomes como Mario Camerini, ainda sob o regime de Mussolini. Diferente de outros sistemas autoritários, o fascismo italiano não inclinou sua produção apenas a filmes de propaganda. À época, Vittorio Mussolini, filho de Benito, estava à frente da revista Cinema. Eram os tempos dos filmes de "telefone branco", comédias que imitavam as norte-americanas, de cenários requintados, que ocultavam a realidade social. O telefone branco simbolizava o luxo.

Vêm a guerra, os conflitos, o facismo sucumbe. De Sica chama a atenção com seu quinto filme como diretor, "A Culpa é dos Pais", de 1943. Mas é com um filme nitidamente neorrealista, "Vítimas da Tormenta", de 1946, sobre a situação de crianças marginais na Itália, que ele torna-se um nome incontornável no cinema mundial.

É verdade que o neorrealismo de De Sica é também o neorrealismo de Cesare Zavattini, roteirista e fiel colaborador, um dos cérebros por trás das ideias que moldaram o neorrealismo italiano. Ao falar desse momento, André Bazin não desprega De Sica de Zavattini, os quais, segundo o crítico francês em "O que é Cinema?", "consideram a realidade humana como um fato social", em um "realismo das relações do indivíduo com a sociedade".

Bazin inclusive cita as diferenças entre o neorrealismo de Rossellini e o de De Sica e Zavattini: enquanto, para o primeiro, há um forte problema moral que guia as personagens, vistas com certa distância, para os outros dois trata-se de observar as personagens - das centrais às passageiras - cada vez mais perto, uma análise próxima do ser humano.

A obra-prima de De Sica é "Ladrões de Bicicleta". A humanidade toda em um filme. A lupa posta sobre a Itália da época, no pós-guerra: um pai que tem sua bicicleta furtada e, por isso, fica sem emprego; um pai e um filho em jornada para tentar recuperar a bicicleta do criminoso. Apenas um "fio" - um crime, um fato social - que leva a uma das experiências humanas mais fortes já colocadas na tela do cinema.

De Sica e Zavattini ainda fariam mais: a rivalizar com "Ladrões" está "Umberto D.", sobre o idoso Umberto Domenico Ferrari, interpretado por Carlo Battisti, e seus dias de pobreza nas ruas e na pensão em que mora. A condição do velho homem a quem o Estado e a sociedade dão de ombros. A acompanhá-lo, apenas seu cão, que não aceita ser deixado para trás em cena dilacerante, ao fim, quando confirmamos que ao homem resta apenas o animal.

De Sica ainda faria filmes interessantes ao longo de sua carreira, como "Quando a Mulher Erra", "O Teto", "Duas Mulheres" e, mais tarde, o premiado "O Jardim dos Finzi Contini", sobre uma família aristocrata durante a perseguição aos judeus na Itália dos anos 1930. Como ator, colaboraria com alguns dos mais importantes realizadores da época, como Max Ophüls ("Desejos Proibidos"), Mario Monicelli ("O Médico e o Charlatão") e, claro, Roberto Rossellini ("De Crápula a Herói").

Rafael Amaral é crítico de cinema e jornalista; escreve em palavrasdecinema.com (ramaral@jj.com.br)