21 de novembro de 2024
Opinião

O hype do urso drogado

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Hype existe desde sempre. É o que está na moda, em alta, na boca das pessoas. Com as redes sociais, a indústria passou a alavancar marcas e produtos e impulsionar hypes. Quando o público abraça a causa e ajuda no barulho, melhor ainda. No mundo do cinema, um dos últimos hypes é o que cerca o filme "O Urso do Pó Branco", de Elizabeth Banks.

Desde já é importante dizer: eis um candidato sério a pior filme do ano. Uma comédia sem graça, não raro tosca, com apelo ao gore. Cada avanço de suas várias personagens só existe para um mesmo fim: para que sejam atacadas por um urso - ou, melhor, uma ursa - que cheirou alguns quilos de cocaína. Em seguida, muito sangue e pedaços de gente.

A história teria sido baseada em um caso real - pelo menos em seu ponto de partida. Em 1985, nos Estados Unidos, um traficante morreu ao cair de um avião, após lançar alguns quilos de cocaína em mochilas sobre uma região de mata. Como estava morto, ele não conseguiu buscar a droga, que passou a ser procurada por outros bandidos e pela polícia.

A área verde, por sua vez, é uma morada de ursos. Um dos animais, ao ingerir doses altas da cocaína perdida, fica mais agressivo e passa a matar pessoas que procuram pela droga ou simplesmente passeiam pela floresta. Uma fauna de personagens peculiares é lançada à redoma seja para ser comida, seja para tentar escapar. Tudo como já imaginamos, embalado por personagens irritantes, pela idiotia e exagero da pior comédia atual.

Há momentos capazes de constranger até o espectador mais preparado, como aquele em que o urso engole um tijolo de cocaína e desmaia sobre um criminoso, ou aquele em que a fera persegue uma ambulância e devora um enfermeiro em seu interior, não sem fazer o veículo bater em uma árvore e matar outras duas pessoas - incluindo uma guarda florestal presa a uma maca, que tem o rosto amassado e arrastado contra o asfalto.

Nem a comédia nem a violência extrema parecem ser aqui o grande problema. O que incomoda é a gratuidade das situações, a falta de qualquer estofo, a inexistência de qualquer objetivo que possa justificar essa comédia com sangue. Alguns dirão que é apenas para rir. O problema é que, se a comédia é ruim e mal desenvolvida, o riso inexiste. No fim das contas, "O Urso do Pó Branco" é só isso mesmo: uma correria com mortes.

Que tenha conseguido um hype alto com o público, não estranha. O que causa surpresa, pelo menos para mim, é a suposta "originalidade" apontada por alguns críticos de cinema. Não falo de influenciadores que se passam por críticos e só servem ao hype. Falo de gente séria, com trabalhos consolidados em grandes veículos de comunicação. Profissionais que viram nessa comédia descerebrada "as cenas de gore mais horripilantes que se pode imaginar" e elogiaram o trabalho técnico, que teria inclusive dado "personalidade" à ursa drogada.

Quando a crítica de cinema abraça tal filme, como tem abraçado outras besteiras atuais, resta uma certeza: o hype cumpriu sua função. A indústria, que não costuma precisar dos críticos e só pensa neles quando precisa destacar frases em cartazes de seus novos lançamentos, contará com mais uma arma para vender seu produto de baixa qualidade.

Rafael Amaral é crítico de cinema e jornalista; escreve em palavrasdecinema.com (ramaral@jj.com.br)