Não tenho vergonha de dizer que jamais consegui fazer um papagaio ou pipa. Mas no meu tempo de criança, era papagaio mesmo! Nem quando meu filho era pequeno! Boa vontade, não nego, tinha, mas na hora de cortar o papel de seda, amarrar as varetas e de passar a cola, era um desastre. O máximo que conseguia fazer era empinar a pipa. Sempre acompanhava o trabalho de meu irmão Ademir. Depois ele me dava carretel e papagaio, aí, não tinha jeito: ele subia para o céu... Mas aquele que eu achava que era mais fácil de subir era o maranhão, feito com três varetas de bambu apenas: uma cruzando a outra e uma menor, mais abaixo. A maior das duas tinha um formato de arco. Elas eram presas uma à outra e a linha dava uma volta em ambas.
Em seguida, colava-se o papel de seda, fazia-se o estirante, a rabiola e era hora de brincar. Mas domingo à tarde, quando Ademir saía com os amigos para a matinê e eu não o acompanhava, era um terror: queria empinar papagaio, mas não havia nenhum em casa. Até porque esta não era a brincadeira preferida de meu irmão mais velho. O jeito, então, era partir para algo diferente: uma folha de jornal dobrada ao meio, um recorte com a tesoura, formando uma espécie de bico, um estirante unindo as duas pontas, uma rabiola de papel e pronto: a capucheta já podia subir.
Apesar de morar na região mais baixa da Vila Progresso, o vento se fazia presente sempre, principalmente nos meses de julho e agosto, em pleno inverno. Por causa do grande quintal, ficava fácil colocar o papagaio ou a capucheta no ar. Ela não tinha muito recurso, subia cinco, dez, vinte metros, no máximo! Agora, o papagaio maranhão ia longe: carretel inteiro de linha. E a linha tinha que ser 24, comprada na lojinha da dona Duvica!
Opção diferente era sair da missa, no domingo de manhã, passar pela feira e procurar algum maranhão à venda. Se não encontrava, sabia que não era tempo de papagaios e que os ventos eram fracos. O gostoso, ainda, era a competição: quem conseguia colocar o papagaio no ar em primeiro, quem conseguia fazer um mais bonito, quem conseguia mandá-lo mais longe, qual ficava mais tempo no ar... A alegria da brincadeira estava, exatamente, em sentir o domínio sobre o papagaio. Soltar a linha quando se percebe que o brinquedo está "puxando", pois o vento é forte. Claro que muitas vezes o papagaio dava cambalhotas e era preciso recolher a linha e aumentar a rabiola. Mas estas dicas ninguém precisava falar, eu ficava de olho no movimento de meu irmão ou dos outros garotos da rua e aprendia rapidamente as ações. E era lindo ver o papagaio subindo, dançando no céu, de um lado a outro. E se sentir superior, em dominar o brinquedo.
O triste - e isso ninguém conseguia fazer as lágrimas pararem de descer pelo rosto - era quando quebrava a linha e o papagaio ia embora, desaparecia do outro lado das casas, numa distância que não conseguia ver, pois as lágrimas embaçavam os olhos e atrapalhavam a visão. Só conseguia me acalmar quando vinha a ideia de fazer a capucheta. Mas a dor voltava a ser mais forte, quando o vento passava e a capucheta não saía do chão. Nem correndo de um lado para outro do quintal. Nem suando em bicas para ver aquele pedaço de papel voando sob meu comando. O jeito era sentar no portão, olhar para o céu e procurar um papagaio parecido com aquele que acabara de perder. Às vezes até torcer para alguma linha se quebrar para um papagaio cair bem ali, pertinho de onde eu estava. E lá ia o papagaio dançando no céu, subindo, circulando, bailando, balançando, subindo, rumo às nuvens, rumo ao céu azul, rumo a um sonho inatingível!
Nelson Manzatto é jornalista (nelson.manzatto@hotmail.com)