Eu cresci ouvindo que determinados assuntos nunca deveriam ser questionados. Não apenas os tabus clássicos, como sexualidade, doenças de alta malignidade como câncer, por exemplo, que sequer poderiam ter seus nomes espontaneamente citados em conversas, formais ou informais.
Quantas famílias, oriundas das décadas de cinquenta a oitenta, escondiam seus familiares portadores de deficiência mental, em porões escuros e tratavam-nos como prisioneiros, limitando-se a alimentá-los e a manter seus cuidados básicos de higiene apenas para sua sobrevivência. A justificativa era poupá-los da vergonha que provocariam caso fossem vistos. A possibilidade de socialização dessas pessoas era zero. Quando não, eram internadas em hospitais psiquiátricos apropriados para este fim, outrora chamados de manicômios.
Essa forma de criação e aculturamento foi suficientemente efetiva para moldar em meu sistema corpo mente uma outrora legenda de certo "temor", diferente de respeito, por pessoas portadoras de deficiências mentais. Daí que em termos de sociedade, exemplos como o meu, multiplicados por centenas de milhares de outros, contribuiu de maneira determinante para a criação de estigmas de diversas ordens e de violências e opressões em forma de micro agressões diárias a essa população que, da lente que estudamos hoje em visão do cuidado informado sobre trauma, pode ter constituído importante aumento de potenciais traumas de desenvolvimento e... Adivinhem? Mais adoecimento.
Todo este prólogo teve por objetivo contextualizar sobre uma noção conceitual, que podemos chamar de passada e trazer outra mais moderna e atualizada, baseada em insights por mim recebidos durante um Congresso brasileiro de políticas públicas em saúde mental que participei recentemente, realizado por uma respeitada e reconhecida escola de humanidades de Minas Gerais.
Durante as doze horas de profundas exposições, especialistas debateram uma visão que agora surge como balanço dos efeitos na saúde mental humana causados pela pandemia e seus, ainda não completamente apurados, agravos e consequências.
A partir do que já se tem, desponta como importante base o pensar a "doença" mental a partir de pilares definidos por aquilo que se apresenta em números alarmantes: o stress, as crises de ansiedade e pânico e novos transtornos e síndromes com sintomas inespecíficos ainda não catalogados no DSM, manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais, a bíblia das escolas de psicologia e psiquiatria.
Nesses estudos despontam também como caminhos de cuidados e diretivas de controle de novas ocorrências fenomenológicas, tais como epidemias, por exemplo, o eixo cérebro-intestino, memória e controle neuronal pela microbiota intestinal, neuroinflamação, transtornos mentais e tipos de bactérias e psicobióticos.
Sim, a nossa saúde intestinal é a nova forma de cuidado também dos males mentais e saber disto é o que trará possibilidades de cura conjuntamente a outras medidas e descobertas, já com evidências científicas de que o funcionamento do cérebro pode nos boicotar gerando alteração dos padrões importantes em nossa plasticidade cerebral e quais os melhores antídotos para as disfunções do pensamento. E como é bom saber disto!
Márcia Pires é sexóloga e gestora de RH (piresmarcia@msn.com)