22 de dezembro de 2024
Opinião

Morreu aos poucos, dia após dia

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Escrevi o trecho com o depoimento a seguir recentemente, para minhas redes sociais. Reproduzo-o agora neste canal para que possa ganhar cada vez mais escala, em termos de reflexão. Alguns dos temas citados, por si só, renderiam outros artigos inteiros, tais, como limites pessoais, trauma e vínculo. Pretendo fazer isto nos próximos meses ou, sempre que este veículo conceder o espaço, claro, mas nunca perdendo de vista o principal objetivo, que é levar a você, leitora, leitor, à essencial importância de ampliarmos a nossa capacidade de entendimento e compreensão, não apenas de mundo, como de sociedade, pessoas e processos humanos.

E para que, como ensina sempre Dr Gabor Maté, em todo o seu trabalho sobre trauma, nenhum ser humano deve infringir sofrimento a outro ser humano. Você sabia que basta que um bebê chore no berço por horas sem ser pego no colo, para dali surgir um adulto completamente dependente, emocionalmente, de um relacionamento?

"...Durante muito, muito tempo mesmo da minha vida, eu implicava com pessoas que, no meu senso equivocado de julgamento, eram doces. Sabe pessoa boazinha demais, fofa demais, querida por todos demais? Isso me incomodava sobremaneira! Eu me irritava a ponto de não querer estar com pessoas assim.

É recente em meus processos pessoais a descoberta da minha verdadeira essência e natureza: fofa, gentil, doce. Tirei o boazinha daqui, porque fui também, mas essa é uma outra conversa, pra um outro texto inteiro. Eu tive uma criação, como inúmeras pessoas da minha geração, muito rígida e cheia de, hoje tenho clareza e compreensão, violências de diversos formatos e contextos. E aprendi o valor inestimável que é não ser culpabilizante. Este é o maior sentido do perdão para mim. Meus pais, assim como todos os pais como os meus, como outros, fizeram o que podiam, do jeito que sabiam e entendiam, com os recursos que - não - tinham. Eu os honro, eu os amo. Por isso mesmo, hoje sei da importância do não normalizar o "ninguém morreu por causa disso!". Morreu sim, gente! Morreu aos poucos, dia após dia, tempo após tempo, a nossa autenticidade, originalidade, nossa essência e como somos de verdade. Morreu a nossa capacidade de colocar para fora as nossas dores, incômodos, sofrimento e o nosso sentir muito. Quando vivemos dissociados, sendo quem não somos apenas para agradar aos outros, o sofrimento psíquico do não sentir é tão ou mais doloroso do que o sentir muito. Muitos dos nossos vícios e compulsões vem desse lugar. Da necessidade de anestesiar dores insuportáveis e que não nos ensinaram a lidar com elas. De tanto nos ordenarem "engole esse choro!", fomos engolidos inteiros junto com ele. E nos foi ensinado que chorar é coisa de gente fraca. Forte é quem te mata, não é mesmo? Mas e aí? Estamos completamente condenados? Nããão, ainda bem! Hoje existe informação, conhecimento, reparação. Antes dessa consciência, era eu a agressivo passiva que lançava mão de respostas traumáticas fixadas e achava lindo chamar isso de sincericídio. Porque assim eu achava que seria considerada forte e seria respeitada e amada pelos outros. Mas que outros? Como estive enganada, como estive..."

Márcia Pires é sexóloga e gestora de RH (piresmarcia@msn.com)