22 de dezembro de 2024
Opinião

J'accuse...!

Por |
| Tempo de leitura: 3 min

"Meu dever é de falar, não quero ser cúmplice. Minhas noites seriam atormentadas pelo espectro do inocente que paga, na mais horrível das torturas, por um crime que ele não cometeu."

Èmile Zola

Em 1894, o capitão francês Alfred Dreyfus, um judeu, foi injustamente acusado de entregar documentos secretos aos alemães. Naquela época, a opinião pública, assim como a classe política, era desfavorável a ele (e aos judeus). Assim, foi condenado à prisão perpétua por traição e deportado para a Ilha do Diabo, na Guiana. O antissemitismo era forte e chegou em seu auge com a Solução Final aplicada na Alemanha Nazista a partir de 1941. Holocausto. Seis milhões de judeus mortos. Até mesmo o famoso escritor Èmile Zola, que escreveu um artigo defendendo Dreyfus (o famoso "J'accuse") foi preso e condenado (a frase acima é deste artigo).

Quando há injustiça, é necessário levantar-se contra ela. Mas vivemos, infelizmente, num país perverso. Aqui, as desigualdades são colossais e não comovem os que poderiam diminuí-las. E pior: qualquer ação mínima soa como política. E assim torna-se, infelizmente, partidária. Um exemplo disso é o que está ocorrendo no seio da Igreja Católica de nossa cidade.

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil realiza campanhas de conscientização ao longo do período da Quaresma (entre a Quarta-feira de Cinzas e a Páscoa). Trata-se de um convite à caridade. A olhar para quem precisa. E a cobrar, do poder público, para que vivamos num país menos desigual.

Esse ano a Campanha da Fraternidade tem como tema a fome. Uma sombra terrível que voltou a pairar sobre o Brasil. Nosso atual bispo diocesano, Dom Arnaldo Carvalheiro Neto, autoridade máxima da Igreja Católica em nossa cidade, convidou o Clero para, juntos, cobrarem o governo e contribuírem com esse debate. Ora, há mais de 30 milhões de pessoas passando fome em nosso país. Representando o Estado, foi convidado nada menos do que um ministro. E o que deveria ser uma reunião de reflexão tornou-se um escândalo entre setores moralistas e reacionários da cidade. Isso não é novidade: faz tempo que grupos de direita assediam a CNBB por conta de uma certa "preocupação exagerada" com as questões sociais do país, que os bispos não se preocupam com os problemas espirituais dos seus fiéis, mas com coisas materiais, mundanas: existe um problema de excesso de caridade no Brasil.

Na Quaresma, tempo de mais esforço para o jejum, esmola e oração, um tema como a fome não deveria causar escândalo. Ao contrário: a pobreza e o sofrimento fazem parte da história da humanidade, e até mesmo (para não dizer especialmente) da caminhada de Cristo sobre esta Terra. Frequentemente cercado pelos leprosos, coxos, doentes, que gritavam de dor e suplicavam ajuda. Ele nunca reclamou deles e de seus pedidos, mas os atendia.

De acordo com o que prega o Evangelho e a Igreja em seus documentos, a abstinência e oração deve ser complementada pela partilha e solidariedade com quem mais necessita. Dom Arnaldo quis fazer essa reflexão e está sendo acusado injustamente de partidarizar a Campanha da Fraternidade.

O que me consola é que Dreyfus foi inocentado e reabilitado. Zola é lembrado até hoje por sua defesa da verdade (infelizmente morreu antes de ver a justiça sendo feita). E os acusadores antissemitas foram esquecidos pela história.

Que nós, aqui, possamos parar com essa partidarização odienta antes de uma Solução Final.

Minha solidariedade a Dom Arnaldo. Ao meu bispo. Ao líder supremo da Igreja Católica de Jundiaí, a quem eu e TODOS os católicos devemos respeito e obediência.

Samuel Vidilli é cientista social (svidilli@gmail.com)