Com as esperadas chuvas no carnaval que vieram, sim, mas com a maior tragédia climática no Brasil, assistimos a todas as formas de manifestações: de imediato socorro, de rápidos laudos, de análises de quanto falta pra tudo ficar bem, as manifestações do governador e do presidente que ali demonstraram eficiência no socorro às vítimas, aos moradores e aos turistas.
Crônica de um acontecimento anunciado é o que repetidamente estamos ouvindo através de todas as formas de identificação de erros nas ocupações em áreas de risco.
A tecnologia que temos e que usamos para fazer obras nas áreas de encosta são muito boas, eficientes e demonstram competência. Eu diria que somos craques e vendemos expertises. Essas áreas são protegidas por lei e pela Constituição, e, mesmo assim, se for por razões essenciais, tudo passará por um processo extenso de aprovações em todos os órgãos pertinentes, principalmente aquelas cobertas por matas. E este é um processo caro e longo. Porém, na avaliação desses usos, não tem valor.
Assim, áreas delicadas, sensíveis, não podem ser ocupadas. Todos sabemos! Enquanto esses números de moradores e dos não moradores - que estão fora dessa conta - ocupando lugares inadequados ou mesmo a rua não forem do conhecimento público e não estiverem em uma economia estratégica de planejamento, assistiremos a repetições de tragédias como essa. O trabalho dos arquitetos é reconhecido internacionalmente na área de habitação social e, apesar disso, arquitetos estão à margem das prefeituras.
O caso da Barra do Sahy foi, talvez, a máxima a que já assistimos. Tivemos o maior e mais trágico evento climático na história do Brasil, com a morte de 50 pessoas que estavam assentadas em encostas e de tantas outras que estavam em áreas possíveis e consolidadas e ainda assim não foram poupadas. O Ministério Público questionará a prefeitura quanto à fiscalização e às medidas tomadas para evitar essa tragédia em uma área que, há pelo menos 27 anos, vem sendo discutida.
Mas isso não será suficiente, vai mais além.
Será preciso entender muito mais o que aconteceu na região e será também mais grave ainda a verificação dos enormes e extensos deslizamentos que sangram a paisagem de mata de vermelho do barro. O trágico acidente ambiental evidentemente tem tudo a ver com as alterações climáticas.
E lugares serão repensados. Juquehy, por exemplo, não será o mesmo, os preços irão cair por lá.
Aquela explosão de condomínios que ocorreu e continua a ocorrer ali influenciou imediatamente as ocupações pelos que trabalhavam nesses lugares. Fazer condomínios sem que se pense nos lugares de moradia para aqueles que trabalham durante a construção e depois trabalharão ali é impossível. E isso não é novidade. Essa conta não é repassada para os empreendimentos e não bastam as compensações. Essas outras casas precisam estar disponíveis, antes mesmo dos próprios condomínios. Como escreveu a Presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil, Nadia Somekh, "o problema é o histórico processo de urbanização de nosso país que não dá lugar na regulação urbanística para os mais pobres e vulneráveis, agravado agora pela escalada das mudanças climáticas".
A complexidade está instalada, as soluções que já estão politizadas são aplaudidas por todos nós e dadas como bem-vindas, mas estão chegando tarde e sem a consideração da ocupação do ambiente por todos. Acho que será um remendo!
Eduardo Carlos Pereira é arquiteto e urbanista (edupereiradesign@gmail.com)