21 de novembro de 2024
Opinião

Nietzsche me ensinou a pular Carnaval

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Hoje é o último dia de Carnaval. E que Carnaval! Posso dizer que foi um dos Carnavais mais legais que eu já tive o prazer de viver. Isso porque, antes desse, a última vez que participei dessa festa eu era um pré-adolescente. Pois é. Eu nunca tive muito gosto em ser folião, mas as coisas mudaram agora e quem me ensinou a pular carnaval foi Nietzsche.

Para eu explicar sobre esse meu inusitado professor de folia, preciso chamar a atenção para os comentários que eu vi nas redes sociais sobre o Carnaval. Experimente você ir em um perfil de qualquer portal de notícia que esteja falando sobre os bloquinhos e você verá coisas como: "Povo desocupado e bêbado que só ficar na rua atrapalhando o trânsito", "Certeza que ninguém vai trabalhar com essa disposição aí" e as versões atualizadas sobre a pandemia de covid-19: "Quinta-feira os hospitais estarão lotados de gente doente, pode esperar", "Ué? A covid acabou? Agora pode aglomerar?", "A covid vai voltar com tudo e vão querer que a gente fique preso em casa, vai vendo" e "vão se divertindo... semana que vem, quando acabar essa porcaria, vai todo mundo ficar doente".

Esse tipo de pessoa é o que Nietzsche chama de "reativos". Para o filósofo alemão, existem dois tipos de gente no mundo. As mais raras são as "ativas" e as mais abundantes são as que escrevem comentários como esses que listei acima.

Nietzsche acredita que somos movidos por uma energia. Uma energia que nos faz fazer as coisas. Essa energia ele chama de Vontade de Potência. Essa vontade será "ativa" ou "reativa". Quem é regido pela primeira é uma pessoa forte, segundo o filósofo. Já quem é regido pela segunda é, obviamente, uma pessoa fraca.

Uma pessoa forte, ou ativa, é aquela que usa sua energia para buscar por momentos de prazer, de alegria, de felicidade. É um tipo de gente que não costuma se importar muito com o que os outros vão pensar e que, se tem vontade, vai lá e faz. Já uma pessoa fraca, ou reativa, é aquela que quer impedir a pessoa ativa de sentir prazer. Na filosofia chamamos isso de burocracia, eu chamo de inimigos da alegria.

A diferença entre os ativos e os reativos é uma bem simples. Ativos são livres e obedecem apenas seus próprios desejos. Os reativos são incapazes de fazer o mesmo e, por não conseguirem ser livres para buscarem prazer, fazem de tudo para que ninguém consiga. Os ativos agem, os reativos reagem às ações dos ativos. Para Nietzsche, isso não passa de pura inveja. E eu concordo com o alemão.

Em todos os anos que eu fiquei longe das ruas em época de Carnaval, eu era uma pessoa extremamente reativa. Eu não suportava a ideia de ter gente se vestindo como bem queriam, se divertindo como bem queriam e festejando como bem queriam. "Como é que eles conseguem e eu não?". Eu não conseguia ser livre e me entregar ao Carnaval, logo, queria impedir quem conseguia fazendo comentários desnecessários, diminuindo intelectualmente quem gostava da folia e menosprezando as manifestações culturais.

Depois de dois anos de pandemia e de ver muitas pessoas morrerem (inclusive amigos da mesma idade que eu), eu pude, como muita gente, me recolher em meu próprio universo e me questionar sobre várias coisas, inclusive sobre o Carnaval. Fiz uma promessa para mim mesmo: "No próximo Carnaval, eu vou conseguir festejar também!" E cá estou eu, escrevendo esse texto enquanto penso na fantasia que usarei hoje e me recupero da folia de ontem. Como é bom viver a vida ativamente, mesmo que seja entre a sexta-feira de Carnaval e a quarta-feira de cinzas.

Conhecimento é conquista.

P.s.: Ah! E não tem problema você não gostar de Carnaval. Eu não gosto de uma porção de coisas também, mas nem por isso eu fico desejando o mal para quem pensa diferente de mim e encontra alegria em lugares que eu não encontro.

Felipe Schadt é jornalista, professor e cientista da comunicação pela USP (felipeschadt@gmail.com)