22 de dezembro de 2024

Democracia ou caos

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Dia desses tive de passar pelos persistentes manifestantes fora da lei que estão ocupando a avenida 14 de dezembro. Uma experiência antropológica.

Ao ver aquela geleia geral, lembrei da fábula de Peter Pan, personagem criada pelo britânico James Matthew Barrie, em 1902. A fábula do menino que não queria entrar para o mundo adulto é muito famosa e ainda conta com inúmeros admiradores. Assim como Peter, aquelas pessoas não querem aceitar o que é óbvio: assim como dois e dois são quatro, crianças envelhecem e adultos votam. E de forma específica, ganha quem teve mais votos. Mas nem foi por isso que lembrei dessa fábula.

Tem uma passagem onde se diz que "toda vez que uma criança diz que não acredita em fadas, uma pequena fada cai morta em algum lugar". Parafraseando Barrie, cada vez que vejo uma pessoa defendendo ou pedindo intervenção militar,uma pequena parte da democracia cai morta em algum lugar.

Também me vem à memória o martírio de Santo Estevão, quando ele se dirige a seus algozes  e, a exemplo de Cristo, diz: "Senhor, perdoais-os: eles não sabem o que fazem".

Ali vejo alguns amigos, alguns parentes até. Sabe como é... Jundiaí. Todo mundo se conhece. Escrevo isso porque não se trata de pessoas ignorantes, extremistas, violentas. E quanto mais as tratamos como loucas ou as desqualificamos, mais distantes elas ficam da realidade. Mais refratárias se tornam.

Sim. Volto a esse tema porque é preciso: ou valorizamos a democracia ou caminharemos, a passos largos, para o caos. E nenhum de nós está realmente preparado para isso.

Contestar, discutir, discordar, tudo isso faz parte da vida. Ter opiniões contrárias. Ter amigos que não pensam em tudo como você. Lembro de um conselho dado pela minha mãe quando comecei a frequentar a Igreja Católica: "meu filho, cultive os amigos que não creem no que você crê. Não esteja cercado de pessoas que pensam apenas como você. O contraditório é importante para a vida". E desde então faço isso. Não brigo por religião e nem por política com pessoa alguma, mesmo tendo aqueles que insistem em querer me tirar do equilíbrio.

Eu não sou dono da verdade. Ninguém é. Só o tempo vai dar razão. A história, juíza implacável. Mas eu não estarei aqui para saber se estou do lado certo. O que me importa é estar com a consciência tranquila.

Mesmo assim, existem coisas que são incontestáveis. E uma delas é a democracia, que  o ex-primeiro ministro britânico Winston Churchill teria definido como a pior forma de governo, à exceção de todas as demais. E ele assim definia porque, na realidade, humanos racionais e evoluídos que somos, deveríamos nos governar, sabendo o que podemos ou não fazer, até onde podemos ou não ir sem agredir ou atrapalhar outrem.

Mas, ó vida, não somos assim. Não somos bons selvagens. Somos egoístas e com uma natureza peculiar. Invejosos, ardilosos. Precisamos de sistemas de freios e contrapesos. De leis.

A democracia, nesse mundo real e humano, é a forma de governo que menos erra.

Fora disso, o caos. Não há como manter a ordem, o equilíbrio e a segurança (tanto social como econômica) em outro modelo.

Além disso, é fora da lei. Não existe algo como "legalmente pisar na lei". Intervenção dentro da lei não existe.

Vamos lidar com o que temos. E conviver, especialmente.

Samuel Vidilli é cientista social (svidilli@gmail.com)