Eu sempre tenho uma tendência pessimista de olhar para o copo e ver ele meio vazio. Eu poderia ficar - como fiquei há duas colunas atrás - meio desesperançoso com os mais de 58 milhões de brasileiros que escolheram ser bolsonaristas e dar endosso ao pior governo que nossa jovem democracia viu. Mas hoje eu revolvi fazer diferente. Prefiro olhar que se de um lado temos tanta gente que flerta com o autoritarismo desenfreado, do outro há mais de 60 milhões de pessoas que escolheram por um fim a isso.
A vitória no último domingo de Lula foi como um arfar de esperança. Eu digo isso por mim, é claro, mas me arriscaria a dizer que é um sentimento muito compartilhado - se não por todos, por esses mais de 60 milhões de eleitores. Mas tá. E agora? O que acontece nos próximos dias, semanas e meses até a posse de Lula? Eu não sou futurólogo e desconfio de quem diz que é, mas um personagem asimoviano chamado Hari Seldon me inspirou a tentar entender quais serão os próximos passos dessa massa tupiniquim. Tentemos.
Esses próximos dias serão responsáveis por exacerbar o sentimento de divisão que foi iniciado lá no processo de impeachment de Dilma Roussef. De um lado, pessoas completamente felizes e aliviadas começam a enxergar flores no caminho de lama que existe no Brasil. Do outro, indignação, revolta e desespero de quem viu ao vivo o crepúsculo do seu ídolo. Os bolsonaristas já iniciaram, desde o anúncio do novo presidente, no início da noite de domingo, uma série de manifestações contra o resultado das eleições. Estradas foram parcialmente fechadas com gritos de ordem em apoio ao Bolsonaro.
Mas outra manifestação vem chamando a atenção. Essa, mais silenciosa, porém bem significativa. Pipocam nas redes sociais relatos de amizades sendo desfeitas, rompimento de relações familiares e discussões com colegas de trabalho. Os bolsonaristas estão se distanciando gradativamente dos que não pensam como eles, se isolando cada vez mais dentro de sua própria bolha. O problema é que, mesmo que sendo tantos, eles estão sozinhos, pois não há nenhuma instituição que esteja com eles.
Quando eles finalmente aceitarem que não há mais volta, vai se iniciar duas narrativas. A primeira é uma pseudo diáspora. Os mais ricos vou buscar refúgio fora do Brasil, já os mais pobres - grande maioria - ficarão aqui. Isso nos leva para a segunda narrativa, a de combate. Os que ficarem, vão se apegar nos bolsonaristas eleitos e servirão de exército digital para espalharem todo tipo de fake news possível sobre o governo Lula.
A Copa do Mundo pode ajudar a amenizar as coisas. Muito já se fala sobre a retomada dos símbolos nacionais, como a bandeira e a camiseta da CBF. Porém eu penso que o bolsonarismo não vai devolver esses símbolos com tanta passividade, sobretudo porque o maior nome da seleção de Tite é o Neymar, bolsonarista confesso. Mas é bem verdade que o futebol sempre foi capaz de operar milagres no Brasil, ainda mais se o hexa vier. Se isso acontecer, é possível que tenhamos um natal em família pacífico.
E o Bolsonaro? Bom... Bolsonaro está na roça, como diriam meus conterrâneos do interior paulista. Até o momento que escrevo essa coluna, ele não deu as caras depois do resultado das eleições. Nem ele e nem os filhos. O que eu acho é que ele já sabe que a casa caiu pra ele. A partir de 1º de janeiro, ele não terá mais foro privilegiado depois de mais de três décadas e todos os crimes nos quais ele é acusado serão investigados. As chances de ele parar na cadeia são realmente altas e ele sabe disso e está tentando articular alguma coisa para se safar. Um asilo político na Rússia ou Hungria, talvez.
Por isso acho que, assim que possível, ele irá renunciar ao cargo e, deixar o país na sequência. Pra ele, três coelhos mortos em uma cajadada só. Fica longe da justiça, não estará aqui para passar pelo constrangimento de ter que passar a faixa de presidente para o seu arqui-rival e de quebra, mantém a pose de mito anti sistema. E se ele quer algo para o futuro, terá que manter essa pecha no imaginário coletivo de seus seguidores.
O fato é que Bolsonaro irá dificultar ao máximo a transição do governo. Sabe aquele funcionário amargurado que quando demitido apaga tudo do seu computador para se vingar da empresa que o demitiu? Pois é. Bolsonaro fará algo similar.
Tudo isso é especulação de minha parte. Algo que o jornalismo de opinião me permite fazer. Mas sabe o que não é especulação? Que a esperança voltou. E nada pode vencer a esperança.
Conhecimento é conquista.
Felipe Schadt é jornalista, professor e cientista da comunicação pela USP