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06 de maio de 2024

O cadete e o capitão



19/10/2022 - Tempo de leitura: 3 min

Livro do jornalista Luiz Maklouf Carvalho, "O cadete e o capitão – a vida de Jair Bolsonaro no quartel" conta a carreira militar do atual presidente da República. Lançado em 2019, o volume reúne documentos – muitos deles reproduzidos no livro – e reconta a trajetória de Jair Messias em dezoito capítulos.

De seu ingresso na Escola de Cadetes de Campinas à transferência para a Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), em Resende, no Rio de Janeiro. Acompanha o histórico do cadete 531, apelidado "Cavalão" devido a sua compleição física. Depois, já formado, fala de sua passagem pelo<ctk:10> Mato Grosso do Sul, servindo em Nioaque. Retorna ao Rio e a seu período na Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO). Mostra em detalhes dois fatos decisivos na carreira do capitão: seu artigo publicado na revista "Veja", em que reclama do salário; e a acusação de ser coautor de um plano terrorista, chamado de "Beco sem saída". 

Luiz Maklouf evita adjetivos e atém-se a reproduzir entrevistas, reportagens e páginas de documentos oficiais a respeito do então militar. O texto para a "Veja", de setembro de 1986, assinado por Bolsonaro rendeu-lhe notoriedade e 15 dias de detenção pela indisciplina. No ano seguinte, o capitão contou à repórter da publicação um plano para detonar explosivos em quartéis a fim de demonstrar a insatisfação militar quanto à política salarial do então governo Sarney. O atentado terrorista foi denunciado em edição de outubro de 1987. Diante da repercussão negativa, o capitão repeliu as acusações, negando ter dado qualquer entrevista. "Veja" rebateu e mostrou na edição seguinte desenhos esboçados por Bolsonaro detalhando artefatos e explosões. O capitão respondeu a processo militar. O julgamento em primeira instância condenou-o por três votos a zero. O condenado recorreu e o processo foi para o Superior Tribunal Militar (STM).

Houve perícias grafotécnicas. Duas delas, feitas no Exército, foram "inconclusivas". Uma terceira, a cargo da Polícia Federal, reconheceu Bolsonaro como autor dos desenhos e legendas (prova de que dera as entrevistas). Uma nova perícia refeita pelo Exército, comparando os croquis com mais textos manuscritos do capitão, retificou o segundo laudo, assegurando que Bolsonaro era o autor dos desenhos.

Ou seja, um laudo ficou "inconclusivo" e dois (o retificado pelo Exército e o da Polícia Federal) reconheciam-lhe a autoria. Para o STM, no entanto, a defesa do capitão usou de um artifício, alegando que de que "quatro" perícias, duas reconheciam a autoria e duas não. E na dúvida, absolva-se o réu. Por nove votos a quatro o capitão foi absolvido em segunda instância num julgamento em que os juízes se ativeram menos em falar do acusado e mais em acusar a imprensa. No final de 1987 Bolsonaro deixou o Exército e no ano seguinte partiu para a política partidária.

Imagine o estrago que faria ao erário se um sujeito com essas credenciais fosse eleito vereador. E como aumentaria a corrosão caso avançasse, chegando, quem sabe, à Câmara dos Deputados. Acima disso não passaria, dadas as suas evidentes limitações. Para ir além das câmaras legislativas, só mesmo num pesadelo.

Fernando Pellegrini Bandini é professor de Literatura.