21 de dezembro de 2024

A era bolsonarista

Felipe dos Santos Schadt
| Tempo de leitura: 3 min

Eu estava completamente imerso na minha bolha progressista. Em volta de mim, tudo parecia caminhar para um Brasil curado. Como se tivéssemos passado por quatro anos em um leito de UTI esperando pelo médico dar a boa notícia. Mas minha bolha nem de longe representa o Brasil real que acabou de dar as caras, bater no peito e dizer em alto e bom som que é conservador, retrógrado e terrivelmente religioso.

O resultado do primeiro turno das eleições jogou na minha cara aquilo que eu custei a acreditar. O Brasil que eu idealizei não existe e, pelo andar da carruagem, não vai existir tão cedo. Assim como o Major Policarpo Quaresma - herói do clássico de Lima Barreto -, fui traído pela realidade e tenho que conviver com o fato de que o Brasil não é nem de longe o que eu gostaria que ele fosse.

Grande parte do Brasil caminha a passos largos para se tornar bolsonarista. E eu explico o motivo. Em 2018, a vitória de Bolsonaro é logicamente justificável. Era o personagem perfeito para o cenário nacional de descrença política, antipetismo, levante do conservadorismo e desânimo com a esquerda progressista. Veio para atender os interesses antipopulares da elite e serviria como um excelente bobo da corte, distraindo a classe média enquanto passava a boiada. O que eles [elite] não contavam é que Jair sairia do controle e governaria o país como uma criança birrenta que não aceita brincar se não for do jeito dela.

Somado a isso, veio uma pandemia. Bolsonaro brincou com a vida de milhares de pessoas e foi extremamente irresponsável, incentivando todas as narrativas anticiência possíveis. Zombou da morte de seu povo e se negou a comprar vacinas. No setor econômico, foi um desastre. A economia sofreu com inflação e desemprego e cerca de 33 milhões de pessoas passaram fome durante seu governo. A corrupção também foi vista a olhos claros em casos no Ministério da Educação e na sua família. Resumindo a ópera, foram quatro anos de caos.

Com esse currículo, era óbvio que sua reeleição não viria. Ainda mais porque seu adversário é um ex-presidente que deixou o cargo com mais de 80% de aprovação e que tem um capital político internacionalmente reconhecido. Em 2018, Bolsonaro se livrou de disputar com Lula devido a uma prisão ilegal conduzida por Moro (que na época postulava um lugar de prestígio no governo bolsonarista), mas, em 2022, não teria como escapar. Tudo dava a crer que a sua derrota poderia vir no primeiro turno. Mas não foi assim.

Mesmo com Bolsonaro se provando um presidente ineficiente, incapaz de gerar melhoria para o país nos âmbitos econômico, social e moral, 51 milhões de eleitores decidiram continuar o apoiando. O bolsonarismo se provou forte inclusive nas disputas por governos, pelo senado e câmaras nacional e estaduais. Só no congresso, foram 99 deputados eleitos pelo bolsonarismo. Nomes de pessoas que participaram diretamente do desastre que foram os últimos quatro anos.

Conclusão: o bolsonarismo deixou de ser uma tendência e já é um fato. É uma corrente grande e forte o bastante para se perpetuar por muito tempo. E por que? Porque, como disse no início, é essa a cara de grande parte do Brasil.

É provável que Lula vença dia 30. Mas vai ser uma vitória muito apertada. E, mesmo se vencer, vai enfrentar um congresso duro, conservador e retrógrado e vai ter que lidar com metade da população tão dura, conservadora e retrógrada quanto. O clima de paz que eu tanto almejava não vai acontecer no próximo governo. Esse segundo turno vai nos dar uma amostra grátis do que serão os próximos quatro anos.

O Brasil, independentemente do resultado, já perdeu. Perdeu porque escolheu trilhar o caminho do bolsonarismo. Jundiaí, por exemplo, já está tomada por essa ideologia faz tempo, mas isso não me surpreendeu. Essa cidade é o puro reflexo do conservadorismo.

Apertem os cintos. A era bolsonarista chegou e vai causar muito estrago ainda.

Conhecimento é conquista.

FELIPE SCHADT é jornalista, professor e cientista da comunicação pela USP