23 de novembro de 2024

Crônicas da guerra na Itália

FERNANDO PELLEGRINI BANDINI
| Tempo de leitura: 3 min

Livro de Rubem Braga, "Crônicas da guerra na Itália" mostra o correspondente na campanha da Força Expedicionária Brasileira (FEB), durante a Segunda Guerra Mundial. Jornalista do "Diário Carioca", Braga foi credenciado para acompanhar a FEB no segundo semestre de 1944, na Itália. Rodou pela península entre outubro desse ano até junho de 1945. Assim como as tropas, enfrentou a cada estação lama, neve e poeira, tudo em excesso e sem piedade.

Enfrentou também a censura da ditadura varguista, que inutilizou dezenas de páginas, num tempo em que não dava para "salvar na nuvem digital" o material jornalístico. Nada de texto que escancarasse os horrores da guerra. Mas a habilidade do cronista consegue driblar muitas vezes a truculenta zaga de censores e mostra o cotidiano da tropa, "um pobre rebanho maltratado", como definiu o escritor.

Conta de brasileiros de todos os cantos que serviram na Itália, lutando contra o nazifascismo. "O fascismo é uma praga difícil de exterminar. É o preço que os povos pagam pela própria inércia "sentencia o autor, em crônica de fevereiro de 1945, quando o fim da guerra parecia horizonte inalcançável (ela acabaria na Europa em maio desse ano). Mas até chegar ao desfecho, a guerra devastou. Arruinou cidades, mutilou gente. Como a garota italiana Silvana, para quem o jornalista serve de enfermeiro que lhe segura a mão enquanto cirurgião remove estilhaços de granada da pele adolescente. E, ao perambular por esse território arruinado, o correspondente encontra o lirismo inesperado, como o quadro renascentista, escondido num convento, de um Menino Jesus segurando o dedinho do pé; ou o sujeito solitário reerguendo o muro de uma casa destroçada; ou ainda italianos de uma cidadezinha bombardeada podando com esmero árvores para a primavera que se anuncia.

Na cota dos horrores, além da fome e da miséria da população local, relatos da barbárie perpetrada por fascistas e nazistas, com fuzilamentos, saques e violências de toda ordem. Na cota do anedótico, tem aquela da patrulha brasileira que invade casa em que se escondiam soldados inimigos. Um sargento catarinense, ao ouvir os tedescos cochicharem, diz em alemão que ali só tem amigos. Os escondidos deixam satisfeitos o refúgio e são presos.

Editado pela primeira vez em 1945, o livro ganhou seguidas reedições. Esta que a Record lançou em 2014 traz excertos valiosos, como a reportagem de Braga para a revista "Realidade", em julho de 1969, 25 anos depois. Um resumo temperado pelo talento do escritor.

Tem entrevista para o finado diário paulistano "Jornal da Tarde", de 1975, ou ainda texto para livro do artista plástico Carlos Scliar. O "cabo artilheiro" Scliar, como explica o cronista, foi pracinha da FEB e desenhou muito do que viu. De seus traços nasceu o volume prefaciado por Braga.

Na edição da Record aparecem também crônicas esparsas que o escritor capixaba incluiu em outros livros. Uma delas, impagável, trata de "Hélice", a tenente enfermeira estadunidense com quem o jornalista viveu uma breve história de amor no Natal de 1944.Salve, mestre Rubem Braga.

Fernando Pellegrini Bandini é professor de Literatura.