A ideia de segregar moradia de todos os demais espaços é uma ideia de jerico. Uma ilusão pensar que condomínio residencial seja a solução para o convívio. É algo que apenas favorece o lobby das indústrias automobilísticas e apressam o fim do mundo. Sim, se continuarmos a emitir os gases venenosos causadores do efeito estufa, não haverá condições de sobrevivência neste planeta que é o único disponível para esta raça difícil, chamada bicho-homem.
Pensando nisso, o professor do IAE – Instituto de Administração de Empresas da Sorbonne, Carlos Moreno, desenvolveu o conceito de “Cidade de 15 Minutos”, que explica no livro recentemente publicado no Brasil. Para ele, as longas distâncias viraram um vício. A proximidade pode e deve ser uma virtude.
Morar longe do lugar de trabalho impõe um sacrifício que abrevia a vida das pessoas. O ideal é o “arco-íris da proximidade”: criar espaços públicos para as pessoas, comércio de bairro, serviços de saúde e educação, locais de trabalho descentralizados, locais para compras. Deve-se misturar os serviços para que as pessoas usem, naturalmente, os que estão próximos. É também uma questão de civilidade. Criar laços de vizinhança. Sentido de pertencimento. Implementação do conceito de comunidade.
A cidade precisa ter múltiplos usos. Não feudos blindados, bunkers com segurança e o espaço público destinado a ser “terra de ninguém”. Chega de construir torres corporativas para o trabalho, esquecendo o posto de saúde do bairro. É preciso readequar o modelo econômico urbano.
A pandemia, que trouxe lições que já estamos esquecendo, mostrou que podemos trabalhar de outras maneiras. A proximidade favorece vínculos afetivos, solidariedade, laços de vizinhança, combate à solidão e à depressão. A crise climática impõe a proximidade, pois ajuda a adotar comportamentos mais sustentáveis. Mais árvores, áreas verdes e água fresca. A proximidade é uma nova forma de resiliência. Carlos Moreno até criou o verbete “proxiliência”: proximidade como forma de resiliência.
A política habitacional brasileira é antiquada. A edificação de centenas – senão milhares – de edificações todas iguais, sem um jardim, sem um quintal, sem área verde. Verdadeiros pombais, que depõem contra a criatividade da arquitetura brasileira. Será que o mais barato sempre tem de ser mais feio, esteticamente agressivo?
As nossas ruas viraram espaços em que o predomínio é do carro. Fazemos planos viários para prestigiar Sua Majestade o automóvel. O ser humano é esquecido. As zonas densas são depósitos de carro. E os veículos ocupam espaço público importante, em geral gratuitamente. Geram poluição por CO2 e por partículas finas, micrométricas. É o “açúcar da cidade”, algo que ingerimos constantemente e que se transforma em diabetes ou câncer. Já se comprovou que o morador de grandes cidades vive quatro anos menos por causa dessa poluição.
Carro é problema de saúde urbana. Deve ser desestimulado. Quando tiver de ser utilizado, que seja elétrico. Mas causa engarrafamentos também. Para permitir cada vez mais carros, as cidades destroem sua memória histórica, são convertidas em conurbação vertical cinza e feia, sem que se reservem espaços verdes e se faça a drenagem essencial a evitar mortes. Há muitos arquitetos artistas que são capazes de conciliar projetos urbanísticos que conciliem inovação e paisagismo.
Enfim, a norma de zoneamento 100% residencial é anacrônica. E a de zoneamento 100% corporativo também. Vamos não só pensar seriamente nisso, mas reverter esse quadro que se tornará opressivo e aterrador.
José Renato Nalini é reitor, docente de pós-graduação e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo