OPINIÃO

Não é seguro ser mulher no Brasil  


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Nos últimos meses, casos recentes de violência extrema chocaram o país. Uma jovem perdeu as duas pernas após ser perseguida pelo ex-namorado em São Paulo; duas funcionárias públicas foram executadas no Rio de Janeiro porque o agressor não aceitava ser subordinado a mulheres; e em Santa Catarina, uma mulher foi morta durante uma simples caminhada. São episódios brutais, marcados por ódio, misoginia e um perigo real que ronda mulheres em todo lugar.

Aqui, em nossa cidade — Jundiaí — o perigo também existe. Nos primeiros seis meses de 2025, foram registrados 162 casos de agressão contra mulheres só na cidade, parte dos 276 ocorridos na Região Metropolitana de Jundiaí (RMJ) nesse período. A despeito de iniciativas importantes de proteção, como a Patrulha Guardiã Maria da Penha (GMJ), que monitora medidas protetivas e oferece suporte constante às vítimas — com histórico de mais de 3.000 atendimentos desde sua criação, fiscalizando centenas de medidas ativas — a gravidade da situação permanece alarmante.

Estes números sugerem um panorama de risco constante, um ciclo de violência que, se não interrompido, pode evoluir para crimes ainda mais graves — como os feminicídios que têm abalado todo o Brasil. Segundo levantamento recente, mais de 3,7 milhões de brasileiras sofreram algum tipo de violência doméstica ou familiar em 2025.

O que une os casos extremos lá fora e os dados locais não é apenas a escala do crime — mas o padrão: violência de gênero expressa com brutalidade. Quando um parceiro decide que não aceita subordinação, que não suporta uma mulher no comando, ou que não reconhece seu lugar de vítima, a agressão muitas vezes não para na violência verbal ou física. Escalada, agressão repetida, perseguição, controle — e, tragicamente, a morte.

Em Jundiaí, cada agressão registrada, cada medida protetiva concedida, cada atendimento da Guardiã Maria da Penha é um alerta sobre o que pode estar por vir. E é também um chamado para atuação imediata — da comunidade, da justiça, das instituições e dos mecanismos de proteção.

Argumentar que “essas coisas acontecem longe” ou que “jamais chegarão a aqui” é um risco grave de subestimação. A brutalidade, na maioria das vezes, começa em casa — com ciúmes, controle, ciúmes, chantagem emocional, agressões discretas, desvalorização, ameaças veladas. Quando as vítimas denunciam ou buscam proteção, muitas vezes o agressor já alcançou um grau de domínio profundo, que torna a retomada de liberdade extremamente difícil e perigosa.

Os casos recentes de feminicídios no país mostram que nenhum espaço é seguro, nenhuma mulher está automaticamente fora do risco — seja ela jovem, idosa, mãe, funcionária pública, dona de casa, moradora de cidade grande ou de cidade média. A segurança que consideramos garantida pode ruir sem aviso.

Em Jundiaí, o volume de casos de agressão doméstica, o número de medidas protetivas e os atendimentos da Guarda Municipal revelam que a violência de gênero não é algo “de fora” — está entre nós. E quando não for contida, isolada, denunciada, amparada, acompanhada, pode se transformar numa tragédia irreversível.

Garantir a vida e a integridade das mulheres requer compromisso — não apenas no papel, mas na prática. Isso significa investir em políticas públicas de prevenção: educação, cultura de respeito, desconstrução de estereótipos e controle de masculinidades tóxicas. Fortalecer mecanismos de denúncia e proteção: apoio psicológico, casas seguras, rede de acolhimento, fiscalização eficaz das medidas protetivas, promover visibilidade para casos isolados e coletivos — não deixar que o silêncio e o medo mantenham o ciclo vivo.

Os exemplos recentes que chocaram o Brasil — a moça que perdeu as pernas, as mulheres mortas no Rio, a vítima em Santa Catarina — deveriam ser suficientes para nos acordar. Mas a realidade de cidades como Jundiaí e da RMJ revela que o problema também está aqui, palpável, latente.

Ariadne Gattolini é jornalista e escritora. Pós-graduada em ESG pela FGV-SP, administração de serviços pela FMABC e periodismo digital pela TecMonterrey, México. É editora-chefe do Grupo JJ

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