Há momentos em que a vida resolve ensinar de dois jeitos: com flores e com espinhos.
Foi assim comigo.
Num dia, vivi um daqueles momentos raros: uma homenagem, palavras generosas, elogios que me deixaram sem jeito. Falaram de mim com carinho, com admiração. E eu, ali, tentando caber dentro de tanta bondade. Sorri, agradeci, me emocionei. É bonito ser reconhecido. E é humano precisar disso.
Mas, em outro dia, o telefone tocou. Era um amigo. A voz, pesada. O tom, sincero. Ele estava magoado comigo. Disse tudo o que sentia e não foi fácil ouvir. Falou com o coração aberto, sem disfarces, sem filtros. Eu ouvi calado. Quando, enfim, consegui dizer algo, pedi perdão.
Ele respondeu, sem hesitar:
“Não sei o que é isso. Não é questão de perdoar. É só questão de ser sincero.”
Fiquei mudo. Esperava um “tudo bem”, um “eu entendo”, qualquer gesto que aliviasse o peso da culpa. Mas não veio. E talvez nem precisasse vir. Às vezes, o que o outro quer não é remendo, é espaço. Quer ser ouvido. E só isso já basta.
Depois que desligamos, fiquei ali, com o telefone na mão e o coração cheio de pensamentos. Pensei em como a vida é boa em nos ensinar, mesmo quando ensina doendo. Porque, no fundo, a dor é o idioma mais honesto que a alma conhece.
Percebi que a gente erra sem querer, e às vezes o outro sofre sem que saibamos. Que nem sempre o amor se manifesta em abraços e risos, mas também em silêncios desconfortáveis e verdades difíceis. E que amizade, de verdade, é o espaço onde cabem essas verdades e onde se permanece, mesmo depois delas.
Eu poderia ter me explicado. Tinha argumentos, motivos, contextos. Mas aprendi que justificar é, muitas vezes, uma forma de fugir do aprendizado. É tentar proteger o ego, quando o coração só queria se abrir.
A vida tem essa mania bonita de nos ensinar pelas beiradas: um telefonema inesperado, uma palavra atravessada, um olhar que se desvia. Tudo vira aula, se estivermos dispostos a aprender. E aprender, no fim, é isso: um ato de desarme.
E então, tudo o que eu havia escutado dias antes, os elogios, as loas, as palavras bonitas, se misturou dentro de mim. Porque percebi o quanto a vida é sábia em equilibrar as medidas: um dia você é celebrado, no outro é confrontado. Um te mostra quem você parece ser; o outro, quem você ainda precisa se tornar.
Aprender é ouvir o que não queremos. É admitir o erro que juramos não ter cometido. É entender que o perdão não se pede para ser aceito, mas para libertar o que dentro da gente precisa seguir.
Hoje, penso que aquele amigo me fez um bem enorme. Porque foi sincero. Porque me mostrou um espelho que eu não queria ver. E, no reflexo, encontrei um lado de mim que ainda precisava amadurecer.
Aprender dói, porque nos arranca da imagem confortável que fazemos de nós mesmos. Mas é nessa dor que mora a chance de crescer. O coração amadurece não apenas com os aplausos, mas com as verdades que nos desinstalam.
Naquele dia, vivi dois espelhos: o público e o privado. Um me mostrou o que o mundo vê; o outro, o que preciso trabalhar dentro de mim. E talvez o segredo esteja em saber agradecer pelos dois, pela luz e pela sombra, pelo afago e pela correção.
Hoje, quando penso nisso, percebo que o amor verdadeiro, seja o de um amigo, de um colega ou de Deus, se manifesta de muitas formas. Às vezes vem em forma de homenagem, outras, em forma de telefonema difícil. Mas, em todas, há cuidado.
Porque aprender é isso: permitir-se ser amado até quando o amor vem em tom de bronca.
E compreender que a vida, generosa, sempre encontra um jeito de nos ensinar, ora com aplausos, ora com silêncio.
Samuel Vidilli é cientista social