Eu poderia iniciar esse texto dizendo que precisamos voltar à comunhão. De valores, princípios, do nosso bairro e de nossos vizinhos. Ficar menos atentos às redes sociais e mais próximo do que acontece dentro da nossa casa, do nosso bairro, cidade e de nossa família estendida.
Falo isso ainda incrédula por uma médica ter jogado spray de pimenta em uma criancinha de dois anos, durante uma missa na Catedral. Há algum tempo tenho escutado relatos de intolerância. Amiga minha, jornalista brilhante que mora em Londres, casada, católica ultra praticante, deixou de ir à missa porque o padre não queria que as crianças corressem pela missa. A comunidade local apoiou a decisão. Minha amiga, uma pessoa de uma fé inabalável, começou a rezar em casa, sem criar comunhão com sua comunidade católica.
Outra amiga, executiva, que ia dar palestra em outros estados com minha afilhada pendurada em seu peito, não encontrava apoio nas aeronaves nem nos aeroportos para descer com sua nenê de colo, carrinho e mala. Ainda ouviu uma frase machista da aeromoça, do tipo “porque viaja sozinha com uma nenê, que está sendo ainda amamentada”. Minha amiga, ofendidíssima, gritou dizendo que achava que outra mulher deveria estar apoiando-a e, como aeromoça, essa era sua função. Os demais passageiros vieram acudir mãe e filha.
Desde quando começamos a enxergar crianças como estorvo? Uma das coisas mais admiráveis nos pequenos é que eles gritam de felicidade, sorriem, choram quando estão tristes e correm para explorar o mundo. Para mim, é a vida divina em ação. Se uma pessoa age assim contra uma criancinha, imaginem o que fará aos pais idosos, quando estes também gritarem, chorarem e se tornarem crianças novamente?
Valores. Está faltando valores e eu não estou me agarrando à tradição. Estou dizendo que precisamos incitar tolerância, amor, compaixão, solidariedade em nossas famílias. Ensinar nossas crianças a olhar o próximo, a ceder pelo bem da coletividade. Nessa corrida egóica da atualidade, sobram crises de ansiedade e depressão. Porque o mundo é feito para se viver em sociedade e tribos.
O que adianta ir à missa e ir contra a frase de Deus pai: “Deixai vir a mim as criancinhas?” Porque não acolher os pais, atarefados, que já não conseguem mais dar conta de educar sozinhos seus filhos diante de tantas demandas modernas?
Por fim, agradeço imensamente as mensagens carinhosas que recebi sobre meu artigo da última semana, em que falava como medidas simples podem melhorar nosso Centro da cidade. Estou aguardando ansiosa para que elas aconteçam. Porque uma cidade que cuida de seu centro, um dia também cuidará da periferia.
Ariadne Gattolini é jornalista e escritora. Pós-graduada em ESG pela FGV-SP, administração de serviços pela FMABC e periodismo digital pela TecMonterrey, México. É editora-chefe do Grupo JJ.