Estima-se que cerca de 10% da população do interior de São Paulo seja composta por pessoas nascidas no Nordeste, o que inclui Jundiaí. Essas pessoas, assim como outros migrantes e imigrantes, compõem a diversidade da Terra da Uva, que, por onde se ouve, tem diferentes sotaques. Os sotaques nordestinos, porém, são mal vistos, porque pessoas do Nordeste são mal vistas por uma parcela da população, seja de modo velado ou escancarado. O "volta pra sua terra", proferido por um munícipe durante sessão da Câmara Municipal de Jundiaí na terça-feira (4) evidenciou essa xenofobia. Mas, se nordestinos e outros migrantes e imigrantes vieram para cá e se estabeleceram, é porque havia espaço para todos.
Para o vereador atacado pela xenofobia, Madson Henrique, que é alagoano e começa neste ano o segundo mandato na vereança jundiaiense, a cidade hoje é sua terra. "É um sentimento de tristeza, você olha para uma pessoa tecnicamente pobre de espírito, que não atingiu diretamente o Madson, mas uma parcela do meu eleitorado. veja, minha família é daqui. Minha família era, de fato, de Alagoas, e eu sou nascido em São Luís do Quintunde, interior de Alagoas. Sou alagoano sim e vim para São Paulo como muitos brasileiros, para tentar a vida, trabalhar", disse ele em entrevista na Rádio Difusora.
Seletividade
Fato curioso sobre Jundiaí e tantas outras cidades pelo Brasil são os fluxos migratório e imigratório. Quem vive em Jundiaí convive diariamente com uma grande diversidade. Há na cidade pessoas nascidas e criadas na Terra da Uva e há também as vindas de outras cidades, outros estados e outros países. E a cidade tem inclusive tradição nisso. Na Festa da Uva, não faltam homenagens aos italianos que trouxeram a fruta para cá. Mas, assim como nordestinos deixaram sua terra Natal, os italianos, que se fixaram em Jundiaí e são amplamente lembrados por isso, também não nasceram aqui, vieram há décadas para se refugiar no país e encontraram na cidade uma nova chance.
Empresária baiana em Jundiaí, Layana Brito tem um restaurante de comida típica de seu estado natal e conta que o local acabou se tornando um refúgio na cidade. "Uma cidade com tanta cultura, que foi feita por pessoas tão diferentes, que tem nome indígena e foi construída com a força de imigrantes, não combina com preconceito. Essa diversidade que traz riqueza para Jundiaí. Antes eu ficava brava, tinha embate, mas fui trabalhando isso e descobrindo que as pessoas te escutam melhor quando você fala com amor."
Layana Brito relata que até em seu restaurante há episódios de preconceito
Layana também lembra que nordestinos não só força braçal de trabalho. "Nos anos 1970 e 1980, teve essa imigração forte para cá porque no Nordeste tinha pouca oportunidade. Hoje é diferente. Eu vim para cá porque fui promovida, da filial para a matriz de uma empresa, então as pessoas vêm, mas não só por capacidade braçal. E só depois de um tempo passei a ser vista como empresária, porque até então eu era forasteira nas entrelinhas. E hoje também existe cada vez mais um processo migratório do Sudeste para o Nordeste e as pessoas sempre relatam que o povo nordestino é acolhedor", pontua.
A empresária lembra que, além do preconceito escancarado, há também os comentários maliciosos e "piadas" xenofóbicas. "Até no ambiente do meu restaurante, que é baiano, tem o preconceito, como a pessoa falar, se um prato atrasa, que baiano é lento. Isso fere e, se fere outra pessoa, é preciso pensar no que se fala. As pessoas sabem que sou baiana e vêm a um ambiente que tem essa cultura. Isso é constante. Já morei na capital de São Paulo, uma cidade cosmopolita, que tem gente do mundo todo e, por mais que tenha preconceito velado, é menos. Aqui em Jundiaí percebo isso muito enraizado."
Construção
Em Jundiaí, o fluxo migratório de nordestinos acompanhou tendências gerais observadas no estado de São Paulo, principalmente entre as décadas de 1950 e 1980, especialmente nos anos 1970. Depois disso, o fluxo diminuiu no estado e na região de Jundiaí de modo geral, mas, na RMJ, observando números entre os Censos de 2000 e 2010, os municípios de Jundiaí, Itupeva e Louveira ainda tinham aumento do fluxo migratório de nordestinos.
Essa migração foi impulsionada principalmente pela industrialização e pela busca por melhores oportunidades de trabalho. No entanto, a partir dos anos 1980, esse fluxo começou a diminuir, devido a fatores como a desaceleração econômica e melhorias nas condições de vida no Nordeste, que hoje também é bastante industrializado. Especificamente em Jundiaí, embora não haja dados precisos sobre o ano exato de maior fluxo migratório de nordestinos, é provável que o auge tenha ocorrido durante o período de maior industrialização da cidade, entre as décadas de 1950 e 1970, quando a atividade rural perdeu força e a urbanização também aumentou.