OPINIÃO

O tal Destino Manifesto


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Muitas pessoas se atentam às falas do atual presidente norte-americano e as classificam como meros exageros megalomaníacos.

Conquista de marte?

Incorporar Canadá e Groenlândia?

Retomar o canal do Panamá?

Aos mais desavisados, tudo isso parece insensatez. Mas atenção: essas falas ressoam nos estadunidenses de uma forma diferente que no resto do mundo. O que aos nossos ouvidos soa como bravata, para eles é motivado pelo chamado "Destino Manifesto".

Esse termo trata de uma ideologia amplamente divulgada e aceita nos Estados Unidos desde inícios do século XIX. Trata-se da crença de que os cidadãos norte-americanos tinham o direito moral e a missão divina de expandir seus territórios da costa atlântica até o Pacífico.

Lembremos que os Estados Unidos, originalmente, se estendiam por uma faixa na costa Leste, mas depois foram incorporando, comprando, invadindo terras e mais terras ao longo do Oeste, até alcançar a Califórnia. E o Destino Manifesto era a crença nos Estados Unidos do século XIX de que os colonos estadunidenses estavam destinados a se expandir para o oeste através da América do Norte e que essa crença era óbvia ("manifesto") e certa ("destino"). Segundo o historiador William Earl Weeks, eram três os princípios básicos por trás dessa crença: a suposição da virtude moral única dos Estados Unidos (a chamada "excepcionalidade americana", a ideia de um povo superior aos outros, escolhido por Deus); a afirmação de sua missão de redimir o mundo pela disseminação do governo republicano e, de forma mais geral, do "estilo de vida americano" e finalmente na fé no destino divinamente ordenado da nação para ter sucesso nesta missão.

Soa absurdo? Sim. Soa megalomaníaco? Bastante.

Mas foi exatamente isso que os EUA fizeram: além de comprar Louisiana, Flórida e Alasca, tomaram dois terços do México depois de uma trágica e absurda guerra, e foram mais adiante anexando Porto Rico, Havaí, Guam e ocupando por um bom tempo outros locais estratégicos: Filipinas, Cuba, Panamá (que foi "criado" por causa do canal, já que antes fazia parte da Colômbia)...

Esta convicção permaneceu no imaginário coletivo estadunidense durante décadas — e se refletiu em inúmeras políticas promovidas por Washington. Até nas famosas intervenções políticas e militares em tantos países (inclusive no apoio que deu tanto à implantação da república no Brasil quanto no golpe de 1964 e subsequente ditadura, entre outros).

O Governo Trump não está agindo diferente do que fez outros mandatários estadunidenses nos últimos duzentos anos. Muito pelo contrário: até que está sendo bem coerente com o que falou durante a campanha. É claro que falta ao atual mandatário polidez, diplomacia e sobra arrogância. Mas ele não faz nada, absolutamente nada diferente do que fizeram outros presidentes daquele país.

Incompreensível é, para mim, ver tantos brasileiros defendendo tais políticas e achando que na verdade Trump é um paladino da democracia e da liberdade. Esses dois conceitos o Destino Manifesto não conhece.

Não sejamos, portanto, ingênuos. Nenhum governo estadunidense quer o bem de outro que não seja estadunidense.

Nunca foi assim. E definitivamente não mudará agora

Samuel Vidilli é cientista social (svidilli@gmail.com)

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