Ontem (03), as aulas voltaram em definitivo. Bom, pelo menos em uma das escolas que eu trabalho. E, como em todas as escolas do estado de São Paulo, o uso de celulares está proibido. Felizmente eu sou o professor de Filosofia e Sociologia e pude me dar ao luxo de usar uma de minhas aulas para justamente debater essa questão com meus alunos.
"O que vocês estão achando da lei que proíbe o uso do celular?", foi a pergunta que disparei. Mãos eufóricas se levantaram e acenaram pedindo por atenção e pela palavra. Eles tinham algo a dizer e eu estava muito interessado em ouvir. Apontei para a primeira mão - acho que foi a primeira - que se levantou. A palavra agora estava com eles.
"Eu odiei a lei, professor", falou uma aluna que parecia realmente indignada. "Eu entendo a lei e até concordo com ela, mas poxa, tirar o celular até no intervalo?", questionou ela enquanto várias cabeças se movimentavam para cima e para baixo em sinal de positivo. "No intervalo eu quero ser livre para escolher o que eu vou fazer e se eu quiser mexer no celular agora eu não posso", completou a aluna.
"Sem contar as pessoas que não querem socializar", emendou um aluno no outro canto da sala, defendendo que essa lei obriga as pessoas a conversarem umas com as outras. Para esse aluno, a lei também não é de toda errada, mas é muito radical.
"E outra, professor. Eu vou ficar sem mexer no celular e quando eu chegar em casa eu vou querer ficar o dia inteiro nele para compensar o tempo perdido", afirmou outra aluna. "Você diz que seria um tipo de estado de abstinência?", devolvi e ela concordou com veemência.
"Eu acho tudo isso uma frescura!", interrompeu as discussões paralelas um aluno no fundo da sala. "Pra que serve um celular? Para se comunicar e aqui na escola, se você precisar falar com os seus pais, basta ir na secretaria. Celular é uma droga e é tudo uma questão de costume. Logo vocês vão estar tão acostumados a não usarem na escola que vão esquecer disso", completou deixando a sala em um silêncio sepulcral para que na sequência explodisse em acordos e desacordos.
Pude observar que os alunos, de modo geral, têm total consciência da necessidade da lei e do quanto o vício no uso do celular é prejudicial. Eles entendem que, a longo prazo, a lei pode de fato ajudar, mas estamos falando de uma geração - a Z, quase Alfa - que é imediatista e precisa ver os resultados na hora. Bom... e quais são os resultados que aparecem agora? Só há um jeito de descobrir. "Vocês têm a oportunidade de viver um experimento social ao vivo e a cores. Observem vocês mesmos no intervalo sem celulares e vejam, com o decorrer dos dias, como vocês se adaptarão a essa nova condição", expliquei. "Eu mesmo farei questão de observar vocês no intervalo e ver com meus próprios olhos isso acontecer. Estou animadíssimo!", completei arrancando risadas de indignação.
O que eu observei: adolescentes saindo de uma caverna platônica e encarando o sol pela primeira vez. Alguns estranharam, outros foram explorar os espaços e se conectar com pessoas. Muitos estavam conversando e, claro, o assunto era a falta que o celular fazia. "Professor, voltamos para a era dos dinossauros", disse uma aluna completamente insatisfeita com toda a situação enquanto eu estava ajudando outra aluna a ajustar as horas do relógio que ela passou a usar. "Eu só via as horas pelo celular, agora preciso do relógio", me explicou enquanto girava a coroa do seu relógio de ponteiro.
Essa proibição tem muitas camadas. A primeira delas é entender que o celular é uma extensão do nosso corpo e, pelo visto, de maneira irreversível. Hoje, ele faz o papel do nosso cérebro, principalmente no campo da memória. Me diz aí cinco pessoas que você sabe o número de telefone de cor? Não lembra, não é? Claro que não, afinal você não precisa lembrar pois o seu celular faz isso para você. E não é só com números de telefones dos amigos, é com qualquer informação.
A segunda coisa é a nossa necessidade de estar conectado ao máximo de informações possíveis. O celular nos possibilita estar atualizados a todo segundo e estar sem ele causa uma sensação de deslocamento e desorientação. "Tem um monte de coisa acontecendo no mundo que eu não sei e só vou saber quando chegar em casa", falou uma outra aluna durante o intervalo.
Por fim, o celular confere pertencimento. Isso as redes sociais fazem muito bem, principalmente no âmbito do registro. Quem usa celular sabe que uma das funções mais legais é poder registrar momentos e compartilhá-los seja lá como for. Não é à toa que as inovações tecnológicas dessa economia da comunicação são com as câmeras dos celulares e sua capacidade de conexão: registrar e compartilhar.
Penso que a lei vem de encontro com o grande problema da nossa geração - e eu me incluo nisso - que é a irresponsabilidade no uso dessa tecnologia. Nunca fomos ensinados a usar esse aparelho e por isso abusamos. Tirar ele das mãos dos alunos agora seja um caminho para mostrar o óbvio: não precisamos do celular o tempo todo.
Não sei como as coisas vão se dar daqui para frente, mas como professor de sociologia, vou observar cada movimento e incentivar os meus alunos a fazerem essa análise. Não dá para prever nada por enquanto. Quem viver, verá.
Conhecimento é conquista.
Felipe Schadt é jornalista, professor e cientista da comunicação (felipeschadt@gmail.com)