Opinião

Eu ainda me lembro

27/05/2023 | Tempo de leitura: 3 min

Era dia de faxina, acordou às 6h, ligou o rádio. Jorge e Mateus cantavam ao fundo. Ele nem era fã de sertanejo, mas é que ouvir essas músicas o fazia lembrar de sua ex.

Tem lembranças que quanto mais precisamos esquecer, mais voltam à mente.

Recordou de um dia caminhando juntos no parque que ela cantava baixinho uma música que dizia:

Todo mundo tem uma pessoa...

Não tirar ela da cabeça fazia ele pensar que ela podia ser a dele, vai saber...

Hoje eles não caminham mais juntos e o coração insiste em trazer lembranças antigas ao novo lar, tatuagens na alma.

Relacionamentos passam e deixam suas cicatrizes.

A dele tinha nome, sobrenome e uma pinta no canto do lábio superior. Ele sorriu em lembrar e continuou. Arrastou o sofá, organizou caixas e varreu o chão pra tirar o pelo do gato. Era tanto pelo que dava pra fazer outro gato.

Duas horas, um sorriso de canto de boca lembrando daquela pinta matadora e uma lágrima escorrida depois... Finalmente o apartamento estava limpo!

Se lembrou de um texto que leu uma vez que dizia que, no último dia da vida, a gente de alguma forma zera tudo e diferente de um jogo de videogame não tem save ou checkpoint.

Não dá pra voltar e dizer "eu te amo" pra mãe. "Adorei sua massagem" pra namorada ou mesmo comer o último bolinho de chuva com a avó. Sentiu que era bom estar ali e sorriu. A última vez que um sorriso desse o visitou, esse sorriso de mostrar todos os dentes foi quando ganhou um bonequinho dos Power Rangers, daqueles que vira a cabeça. No Natal de 1996.

Era o fim de um ciclo, ou começo de outro. Quem sabe?

Ficou rindo sozinho lembrando de como tudo começou...

A primeira imagem que tive de ti foi com batom vermelho e aquele olhar de mulher fatal. Talvez seja só seu olhar mesmo, mas já me peguei imaginando que és dona de uma personalidade forte, decidida. Que coloca o feijão por cima do arroz, não gosta de perfumes doces, prefere café forte e que ainda assiste comédias românticas mesmo achando alguns finais exageradamente melosos.

Não bastasse tudo isso, pra completar um livro nas mãos, um livro de um conhecido, o livro que esse ano li duas vezes. Pronto! Eu já fiquei querendo saber o que escondiam aquele olhar e aqueles lábios pintados de vermelho. Três paixões e uma dúvida em uma mesma foto: literatura, cor vermelha e mulheres decididas. Não necessariamente nesta ordem. Falta a dúvida né? Bem...

Até onde é imaginação? Será mesmo que dá pra saber de alguém por uma foto? E porque essa foto me fez parar de rolar o feed e me deixou uns cinco minutos aqui pensando?

A coragem demorou vir, mas veio e com ela uma conversa despretensiosa, que virou um café depois do trabalho na quinta, que virou um bar no sábado, uma caminhada no parque no domingo, mensagens de saudade na segunda e um pedido de namoro na terça. Não na mesma semana, mas exatamente nessa ordem.

Viveram e compartilham tanta coisa, mas hoje o que sentem é só saudade, momentos bons que o presente fez questão de prender ao passado.

Saudade que doe no peito, mas ainda aquece o coração.

Jefferson Ribeiro é autor e cronista (jeffribeiroescritor@gmail.com)

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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