07 de dezembro de 2025
LITERATURA

Lugar de mobilização de almas

Por Sonia Machiavelli | especial para o Portal GCN/Sampi
| Tempo de leitura: 4 min

Clubes de leitura são espaços vitais. Transcendem o ato de ler. Transformam a experiência literária em evento que mobiliza o intelecto, promove o compartilhamento, permite conexões diversas. Contribuem ativamente para o desenvolvimento do pensamento crítico, algo que corre riscos na sociedade do imediatismo e do descartável, características deste momento da História. Em país onde ainda se lê pouco, desempenham papel importante na sugestão à leitura que, por natureza ato solitário, se desdobra e se torna plural quando a discussão entre os participantes leva ao desvelamento de múltiplas perspectivas sobre a mesma história, personagens, temas, lugares e espaços.

Há outros alargamentos. Em grupo, o que a um leitor pode ter escapado, a outro acontece ter ocorrido. Toda leitura interessada leva à revisitação e reavaliação de interpretações iniciais. Por outro lado, articulando uma opinião, defendendo-a, ouvindo e considerando argumentos contrários, leitores aprimoram habilidades de análise, síntese e pensamento lógico. Para comunicar tudo isso, há necessidade de convocar o raciocínio a fim de expressar ideias complexas de forma clara e precisa, durante a conversa. O esforço melhora a fluência verbal e a capacidade de argumentação. Esses são ganhos individuais.

Emergem também neste balanço outros acréscimos que se tornam essenciais na era digital, onde as interações presenciais tendem a ser limitadas. Grupos de leitura combatem o isolamento e fomentam a criação de laços baseados em um interesse comum. Criam um senso de pertencimento, reunindo pessoas de diferentes origens, idades e profissões. Enfim, ensejam o surgimento de uma tribo unida pelo amor à literatura. Permanecendo nesse mesmo eixo, penso que discutir a vida de personagens, as culturas onde se inserem e as questões levantadas em um enredo, sejam sociais, políticas ou emocionais, permite que os participantes pratiquem a empatia ao tentarem entender visões de mundo diferentes das suas. A alteridade é posta na cena do livro e na do grupo.

Fatores externos devem ser considerados quando se faz, como aqui, um elogio a esses clubes, tantos no Brasil e vários em nossa cidade. É bom lembrar que de forma simples, e sem necessidade de custosos aparatos, a não ser um espaço para dispor cadeiras em círculo, o livro, é óbvio, e um mediador preparado, todo grupo do tipo torna-se motivador e guia para adentrar e percorrer caminhos literários. Existe ainda o fator responsabilidade que no quesito ‘terminar um volume a tempo para a reunião’, funciona como incentivo a fim de manter o hábito de leitura de forma consistente. Por fim, se muitos leitores tendem a ler sempre o mesmo gênero ou autor, num clube de leitura são introduzidas novas obras, gêneros e vozes que talvez nunca fossem escolhidos por conta própria e isso é ampliação.

Desde janeiro estou frequentando o Clube de Leitura da Escola de Idiomas “Stop and Learn”, cuja proprietária é a professora Eneida Nalini. Ela participa dos encontros com energia, empenho e vasto repertório pessoal que abrange títulos de autores de diversas nacionalidades. E divide a medição com Matheus Maritan, professor de inglês e apaixonado por literatura. Ele recebe e acolhe, com alegria genuína e competência para a função, os participantes que chegam uma vez por mês para a conversa animada e enriquecedora. Também cabe a ele, nesta época de encerramentos, oferecer a relação de títulos sugeridos para escrutínio da composição da lista dos que serão lidos e avaliados no semestre seguinte. Foi o que aconteceu na sexta, 5 de dezembro, quando elegemos os que leremos no primeiro semestre de 2026: “O Idiota’, (Dostoievsky), ‘Objeto Quase’ ( Saramago), ’A rosa do povo’ (Carlos Drummond de Andrade), ‘Entrevista com o Vampiro’(Anne Rice), ‘Como Tigres na Neve’ (Juhea Kim).

Cheguei a esse Clube levada por minha sobrinha Talita Machiavelli, professora de Português no SESI e no ‘João Marciano’ e também aficionada por literatura. Foi uma das boas coisas que me aconteceram no ano que vai findando. Conheci pessoas incríveis, de profissões diferentes, e muita sensibilidade à palavra literária que nos leva a integrar mundos novos, exercitar a alteridade, buscar um maior entendimento do ser humano complexo, surpreendente, multifacetado. No penúltimo encontro o livro em foco foi “Antes do Baile Verde”, coleção de contos de Lygia Fagundes Telles, escritora premiada em nosso país e no Exterior, falecida em 2022, autora de obra perene onde expõe nuances sombrias da natureza humana sem fazer julgamentos morais.

Na foto acima estão Matheus Maritan, Viviane de Andrade, Luciana Capelli, Leonardo Barduco, Bruno Piola (meu confrade na AFL), Mirela Francisconi, Gislane Almeida, Heloisa Helena, Gislaine Cristyna, Edna Síkora, Ana Lívia. A eles, e a todos que não estiveram presentes nesta reunião mas movimentaram as anteriores, agradeço muito, de coração, por terem contribuído, cada qual com sua subjetividade, para construir encontros que se tornaram muito mais que apenas um grupo de pessoas lendo o mesmo livro. Pude participar ali de um laboratório de ideias onde foi celebrado o poder da prosa e da poesia que conectam emoções e transformam leitores pela via da criação ficcional e da beleza da literariedade.

Obrigada! E até o próximo ano.

Sonia Machiavelli é professora, jornalista, escritora; membro da Academia Francana de Letras