1. A pergunta que ninguém faz (mas que muda tudo)
Imagine você, debilitado, com dor, preocupado com o futuro, com as contas acumulando. E, no meio de tudo isso, o INSS ou até mesmo a Justiça te oferece uma solução moderna: “Vamos fazer sua perícia por vídeo. É rápido. É fácil. É prático.”
Parece ótimo, não parece? Parece até que, enfim, alguém pensou no segurado.
Mas aí vem a pergunta que quase ninguém faz, e que eu, como advogado há mais de 25 anos em Direito Previdenciário, faço questão de colocar logo no começo: você está realmente preparado para passar por uma perícia médica pela câmera do celular?
Se a resposta automática foi “acho que sim”, então você não está. E eu vou te explicar por quê.
Sim, a teleperícia é mais moderna. É mais rápida. É menos traumática. E, para milhões de brasileiros, é uma verdadeira bênção.
Quem já tentou ir ao INSS com hérnia de disco, muleta ou crise de ansiedade sabe exatamente do que estou falando. Sem deslocamento, sem ônibus lotado, sem exposição, sem fila.
Até aqui, tudo parece perfeito. O problema é que essa é apenas a vitrine. E, como acontece em quase todas as áreas do Direito, é nos bastidores que mora o perigo.
A perícia por vídeo pode ser uma oportunidade, mas também pode ser um risco gigantesco, especialmente para quem acredita que basta “mostrar a dor pela câmera”.
Perícia médica não é conversa informal, não é reunião de trabalho e não é chamada de vídeo da família. Existem limitações reais que podem prejudicar gravemente o segurado.
3.1 Sem toque, sem teste, sem manobra
Como o perito avaliará reflexos, força muscular, sensibilidade, amplitude de movimento ou lesões que exigem exame físico?
Há doenças que simplesmente não cabem na tela do aparelho celular.
3.2 A qualidade da conexão vira parte da prova
Se a imagem trava, cai ou não foca, não há o que fazer. E, infelizmente, a falha técnica acaba recaindo sobre o segurado. Na prática, a prova fica prejudicada.
3.3 Documentação ganha um peso enorme
O perito analisa aquilo que vê e aquilo que recebe. Relatórios incompletos, laudos antigos ou fotos borradas podem significar benefício negado. É simples assim.
3.4 A responsabilidade muda de lado
Antes, na era das perícias presenciais, o perito conseguia observar aspectos importantes da sua condição.
Ele via como você caminhava até a sala, como se sentava, se demonstrava dor para levantar, se precisava se apoiar, se tinha tremores, se estava pálido, se suava, se apresentava ansiedade, entre tantas outras manifestações corporais.
Mesmo que você estivesse nervoso ou sem jeito para explicar, o seu corpo falava por você.
Na teleperícia tudo muda. A câmera está parada. Mostra apenas parte do corpo. Não revela sua marcha nem sua postura completa. Não permite teste físico, não capta nuances e, dependendo da iluminação, não mostra quase nada. O perito não vê você chegar, não vê seus movimentos espontâneos, não identifica pequenas expressões de dor e não avalia naturalidade nos gestos.
A teleperícia tem um recado implícito: “Mostre você mesmo.”
Se você não souber mostrar ou não entender o que precisa demonstrar, a limitação simplesmente não aparece. E, se não aparece na tela, na visão técnica do perito ela não existe. Isso coloca sobre o segurado uma responsabilidade muito maior do que antes. E depender exclusivamente de si mesmo, sem preparo, sem orientação adequada e sem documentação completa, é colocar sua saúde e sua renda em risco.
A teleperícia não é exclusividade do INSS. A Justiça também utiliza a modalidade, por força de resoluções do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A ideia é agilizar processos que envolvem incapacidade, aposentadorias, auxílios e benefícios assistenciais.
Contudo, é justamente no âmbito judicial que surgem os maiores conflitos. Muitos peritos resistem ao formato. Várias doenças exigem exame físico presencial. Sistemas digitais falham. Laudos se tornam superficiais. E decisões acabam dependendo de detalhes mínimos que, em outra situação, seriam facilmente percebidos presencialmente.
Processo judicial não combina com superficialidade. Muito menos quando falamos de renda, dignidade e segurança de quem está incapacitado. Porém, essa “novidade” já está valendo por lá também.
Em meio a uma lei cujo objetivo principal era a regularização patrimonial, publicada em 21 de novembro de 2025, o Congresso inseriu discretamente alterações significativas no artigo 60 da Lei 8.213 de 1991.
Essas alterações introduziram a teleperícia de forma explícita, permitiram análise documental sem perícia presencial, estabeleceram limite de 30 dias para benefícios concedidos apenas por análise documental, criaram exigência de nova perícia para prorrogação e autorizaram o Executivo a flexibilizar esse prazo administrativamente.
É o que chamamos, no meio jurídico, de “jabuti legislativo”. Uma regra completamente alheia ao tema principal da lei, mas colocada ali com efeitos profundos.
E quais são esses efeitos? Um cenário de mais teleperícias, mais análises documentais, benefícios mais curtos, mais insegurança, mais prorrogações e muito mais responsabilidade sobre o segurado.
A teleperícia funciona muito bem para quem está documentado, orientado e preparado. Beneficia pessoas com dificuldade de locomoção, quem mora longe das agências e quem possui laudos consistentes, recentes e detalhados.
Por outro lado, prejudica quem acredita que a perícia é informal. Quem improvisa. Quem não atualiza documentos. Quem sofre de doenças que exigem exame físico presencial. Quem tenta resolver tudo sozinho.
A teleperícia não perdoa amadorismo.
Você já imaginou perder seu benefício, ou sequer consegui-lo, por que sua câmera travou? Por que seu laudo estava incompleto? Por que seu médico não descreveu suas limitações funcionais? Por que você não soube demonstrar o movimento que causa dor? Por que a iluminação prejudicou a análise? Porque você falou mais do que devia, ou menos do que deveria? Por que não organizou sua documentação? Por que não teve orientação especializada?
Parece injusto. E é. Mas também é a realidade atual.
E realidade não se ignora. Realidade se enfrenta com preparo.
Perícia administrativa ou judicial é uma prova técnica. Não é desabafo. Não é conversa. Não é opinião subjetiva.
É técnica, método e estratégia.
E estratégia se aprende, se prepara e se orienta. Muitos segurados só descobrem isso quando já é tarde demais.
A teleperícia aumentou, e muito, a importância do advogado especialista em Direito Previdenciário. A razão é simples: a prova agora depende mais da documentação; a explicação funcional tem mais peso; o ambiente interfere; o enquadramento legal mudou; e erros, mesmo pequenos, se tornam amplificados.
Com orientação profissional, o segurado chega preparado. Sem orientação, chega vulnerável. E vulnerabilidade, em perícia, custa caro.
A teleperícia é uma realidade consolidada. Em muitos casos é avanço, modernidade e necessidade. Mas ela não mostra apenas a doença. Ela mostra o nível de preparo. Mostra organização. Mostra estratégia. Mostra documentação. Mostra orientação.
A câmera não perdoa improvisos. A câmera evidencia falhas. A câmera não explica por você.
Por isso, contar com um advogado especialista de sua confiança não é luxo. É proteção, estratégia e respeito pela sua própria história.
A tecnologia faz a chamada. Mas quem garante o resultado é a forma como você entra nela. E isso não se enfrenta sozinho.
Tiago Faggioni Bachur é advogado, professor e especialista em Direito Previdenciário. Atua na defesa dos direitos sociais, com foco em benefícios do INSS, BPC/LOAS e planejamento previdenciário. Colunista do Portal GCN. Autor de obras jurídicas