Foi lançado nessa sexta-feira, 14, no auditório da OAB, o livro ‘Franca-200 anos’, celebração ao bicentenário da cidade. A seleção dos textos coube a Carlos Roberto Goulart, atual presidente da Academia Francana de Letras. Carogo, como é mais conhecido, empenhou-se em reunir autores que desejaram saudar Franca. Sem seu entusiasmo e determinação, a obra não teria existido. Ele mesmo comparece com três textos.
O primeiro deles cumpre a função de mostrar o gênero do livro que motivou o trabalho e as expectativas que marcaram a execução. Em certa altura de “Palavras do Organizador”, ele revela: “Queríamos que essa fosse mais que uma coletânea – e sim um encontro de vozes, ousando falar de Franca com sensibilidade (...)” Linhas além, em tom de agradecimento aos que aceitaram seu convite para integrar o livro, conclui: “Juntos construiremos uma antologia que permanecerá como testemunho de tudo aquilo que nos faz humanos (...)”
Apreciador de literatura brasileira, incentivador dos poetas locais, ciente de que curadoria é trabalho que pede cuidado na edição, Carogo fez uso de seu discernimento ao sugerir a diferença de dois substantivos comumente usados como sinônimos: coletânea e antologia. De forma delicada, mas assertiva, deixou evidenciado que os termos guardam distinções conceituais. Assim, se dermos um passo etimológico e resgatarmos origens junto aos dicionários que registram a gênese das palavras, encontraremos ‘coletânea’ nascendo do particípio passado do verbo ‘colligere’, que traz a implícita ideia de ‘juntar’. Quanto à ‘antologia’, nos devolve raízes profundas no grego, onde constituía frase com sentido de ‘coleção de flores’, o que aliás a levou ao latim ‘florilegium’. Num caso e em outro, reunião ou coleção, os vocábulos foram reafirmando com o tempo a ideia comum de pluralidade. Entretanto, a semântica não perdeu sua essência, e um aspecto básico de diferenciação se manteve.
Isso posto, antologia chegou até nós como verbete usado para perfilar a obra que traz a público uma diversidade de vozes e estilos, oferecendo ao leitor visão panorâmica de um tema específico, enquanto coletânea mostra obras de um mesmo autor aglutinadas por tema comum. Torna-se então claro que o título ao qual os leitores agora têm acesso é uma antologia porque reúne textos de diferentes autores e épocas que se expressam com vozes singulares e em estilos diversos sobre um mesmo tema. Embora a capa induza a pensar em tema único, qual seja, a celebração dos 200 anos de Franca, alguns escritos não se inserem neste contexto. Mas, considerando o fato de que os autores são francanos, ou estão emocionalmente ligados à cidade, é justo ampliar o olhar, abrir o leque, considerar que importante é reconhecer o caráter de literariedade dos textos.
Há prosa expressa em crônicas, grande parte delas marcada pelo lirismo, traço peculiar reconhecível em nossos cronistas desde o início do século XX, quando começaram a ser publicados nos jornais que já circulavam, como o ‘Comércio da Franca’ que por mais de um século acolheu a maioria da produção literária da cidade e região. Há poesia, “a forma mais autêntica de manifestação da linguagem”, como ensinou Martin Heiddeger em seu derradeiro livro, expressando a certeza de que na linguagem, “a casa do ser”, se revela quem somos, nossa voz, o que nos é intrínseco, as potencialidades que temos.
Tomo emprestada a esse filósofo alemão outra ideia iluminadora: “falar com o outro significa dizer algo para o outro, alguma coisa, e confiarem-se mutuamente ao que se mostra.” Por tal viés podemos apreciar este livro como uma conversa entre escritores e leitores tacitamente acordados a respeito do valor de Franca, a cidade homenageada.
Todo escritor está sempre falando sobre algo que o comove e confiando em que aquele que o lê compreenderá. Os leitores de ‘Franca- 200 anos’ encontrarão em suas páginas autores que descrevem a cidade de história singular, do passado e do presente, do encontro de paulistas e mineiros, de espaço acolhedor para brasileiros dos quatro pontos cardeais. A Franca bucólica e a urbana, a antiga e a contemporânea, a do centro e a periférica, a de vultos históricos mas principalmente a da gente comum caminhando com pés firmes, olhos atentos, ouvidos acurados ao vozerio que traduz permanente trabalho de construção e reconstrução. Ela é a inspiração da antologia que semelha coral a entoar amorosamente gratidões e esperanças.
Sonia Machiavelli é professora, jornalista, escritora; membro da Academia Francana de Letras.