Você já deve ter ouvido alguém dizer, com aquele tom de quem entende tudo da vida: “Ah, mas cirurgia plástica é luxo! INSS não paga benefício para quem quer ficar bonito!”
Mas o que quase ninguém sabe é que o INSS pode, sim, reconhecer a incapacidade mesmo quando a cirurgia tem aparência estética.
A verdade é que o Direito Previdenciário não julga a vaidade, mas sim a incapacidade. E, em tempos em que a busca por procedimentos estéticos é cada vez mais comum, muitos segurados acabam passando por períodos de afastamento real do trabalho, enfrentando dores, limitações e riscos pós-operatórios que nada têm de supérfluos. E, nessa angústia, muitas vezes por falta de informações, deixam de buscar seus direitos.
É quase automático: mencionou cirurgia estética, e pronto... O senso comum já entende como “frescura”. Mas vamos refletir um pouco: será mesmo que toda cirurgia estética é fútil?
Uma abdominoplastia após uma bariátrica é estética… ou reparadora?
E uma cirurgia para corrigir uma assimetria facial que causa dor e vergonha, é vaidade… ou saúde mental e física?
Ou ainda: quem passou por uma miopia severa e fez cirurgia ocular, não tem direito a um período de recuperação longe das telas?
A linha que separa o “estético” do “reparador” é tênue. E o INSS, por mais burocrático que seja, não pode ignorar a realidade clínica do segurado.
A Lei nº 8.213/91 (a “Lei de Benefícios”) prevê o auxílio por incapacidade temporária (antigo auxílio-doença) para todo segurado que, por motivo de saúde, ficar incapaz para o trabalho por mais de 15 dias.
Repare: não há, em nenhum momento, uma lista de doenças “aceitas” ou “negadas”.
O que importa é o fato gerador: a incapacidade.
Então, se a cirurgia estética (ou reparadora) te deixa incapaz de exercer sua profissão (seja digitar, dirigir, levantar peso ou mesmo ficar em pé) o direito ao benefício é possível. Vale lembrar que o pós-operatório dessas cirurgias, em regra, exige repouso e evitar fazer algum tipo de esforço.
Aliás, a perícia médica previdenciária deve avaliar a limitação funcional e o tempo de recuperação, não a origem estética ou reparadora da cirurgia.
Aceitar, ele aceita… quando você prova da forma correta. E aqui está o ponto sensível: a documentação médica precisa estar completa.
Atestados genéricos do tipo “paciente em recuperação pós-cirúrgica” podem não convencer o perito.
É preciso que o médico descreva:
O perito do INSS, por sua vez, não está ali para “julgar se a pessoa é bonita o suficiente para o auxílio”, mas para avaliar a incapacidade laboral, isto é, se o segurado realmente não se encontra apto para retornar ao trabalho (um conceito técnico que reforça que o benefício não depende da causa, mas da incapacidade para a atividade habitual).
Em todos esses casos, se o segurado não pode trabalhar, o auxílio-doença é devido.
Simples assim. E sem julgamento moral.
Curioso, não? O mesmo sistema que reconhece o direito de afastamento de quem quebrou a perna num futebol de fim de semana às vezes torce o nariz para quem passou por uma cirurgia reparadora, não é?
Mas o INSS, apesar de sua má fama de “carimbador automático do indeferimento”, também é regido por princípios constitucionais de proteção social (art. 201 da Constituição Federal) e pelo dever de garantir renda nos casos de incapacidade.
Ou seja: o benefício é um direito, não um favor.
E a plástica pode ser a causa, mas a incapacidade é o fundamento jurídico.
a) Peça afastamento médico desde o início do pós-operatório;
b) Guarde todos os relatórios e exames;
c) Registre a Comunicação de Acidente/Doença (CAT), se aplicável;
d) Agende a perícia médica no INSS logo que souber que ficará afastado por mais de 15 dias;
e) Consulte um advogado previdenciarista de sua confiança para revisar seus documentos antes da perícia (afinal, um detalhe pode mudar tudo).
A beleza pode estar nos olhos de quem vê, mas o benefício previdenciário está nos olhos de quem prova.
Cirurgias estéticas não são sinônimo de vaidade: são procedimentos médicos, muitas vezes com impactos físicos e psicológicos profundos.
Ignorar a incapacidade de quem passa por um pós-operatório é o mesmo que dizer que a dor tem vaidade e a dignidade tem preço.
Enfrentar o INSS sozinho, em meio a laudos, carências e indeferimentos automáticos, é quase uma segunda cirurgia ... Só que sem anestesia.
Por isso, ter um advogado especialista em Direito Previdenciário ao seu lado é essencial.
Ele é quem entende os caminhos, as normas, e principalmente, o que o perito quer (e precisa) ler no seu processo.
Porque, no fim, o espelho mostra o rosto, mas o INSS deveria enxergar a pessoa.
A cirurgia pode até ser estética, mas a dor é real, e a dignidade — essa — não se discute. Em outras palavras, dor não tem vaidade. Tem direitos.
Tiago Faggioni Bachur é advogado e professor especialista em Direito Previdenciário. Autor de obras juridícas