06 de dezembro de 2025
OPINIÃO

Quando o paciente perde a cabeça...

Por Tiago Faggioni Bachur | Especial para o GCN/Sampi
| Tempo de leitura: 7 min

Você já deve ter ouvido alguém reclamar da demora no atendimento em uma UBS (Unidade Básica de Saúde). Fila grande, médico atrasado, funcionário estressado. Cena comum, certo? Mas o que tem acontecido nos últimos tempos ultrapassa qualquer limite de normalidade.

Em Franca, no Caps, um usuário chegou armado com uma faca, ameaçou os funcionários e ainda furou pneus no estacionamento. Dias antes, em uma UBS da cidade, uma funcionária levou um tapa no rosto de um paciente que simplesmente não aceitou a espera.

E não pense que isso é caso isolado de cidade do interior: ligue a TV e verá que em várias partes do Brasil profissionais da saúde estão vivendo sob xingamentos, agressões e até ameaças de morte.
Não é roteiro de série policial, é a vida real. E o mais assustador é que a violência não termina ali, na porta do posto de saúde. Ela deixa marcas — físicas, emocionais e também jurídicas. Marcas que abrem uma conexão direta com o Direito Previdenciário e, acredite, até com o INSS.

Sim, por mais estranho que pareça, essas histórias de violência nos corredores da saúde pública têm tudo a ver com benefícios previdenciários. E é aqui que a conversa fica ainda mais séria.

O fio invisível entre violência, saúde mental e Previdência

Toda vez que alguém perde a cabeça — seja literalmente sacando uma faca, seja “só” levantando a mão para agredir um servidor público — temos um sinal claro de que algo não está bem. Do lado do agressor, muitas vezes existe um histórico de transtornos mentais não tratados, depressão, dependência química, síndromes psicóticas, crises de ansiedade extrema. Do lado da vítima, profissionais da saúde, surgem novos quadros: síndrome do pânico, estresse pós-traumático, afastamentos por depressão, ansiedade e burnout.

E aqui entra o ponto crucial: tanto o agressor quanto a vítima podem acabar batendo à porta do INSS.

No meio desse enredo — que parece novela ou filme policial, mas não tem nada de fictício —, o Direito Previdenciário funciona como o “pano de fundo silencioso”. É ele quem vai dar a resposta prática à seguinte pergunta: quem paga a conta quando alguém perde a cabeça?

Não dá para engolir tudo a seco...

Pense comigo: temos profissionais de saúde que já enfrentam jornadas absurdas, estruturas precárias, salários muitas vezes incompatíveis com a responsabilidade da função... E, além de tudo, ainda precisam “jogar roleta russa” todos os dias, sem saber se vão sair da UBS com um tapa na cara, um xingamento ou um pneu furado no carro.

E aí vem o detalhe irônico: se esse mesmo profissional desmaiar no balcão de tanto estresse, talvez precise mendigar junto ao INSS para que reconheçam seu direito ao benefício por incapacidade. Vai enfrentar perícia médica, juntar atestados, responder questionamentos quase teatrais do tipo: “Mas você não consegue trabalhar de outra coisa? Quem sabe abrir um carrinho de pipoca?”.

Já o agressor... ah, o agressor! Se for comprovado que sofre de transtorno mental grave, o mesmo INSS pode conceder um benefício, garantindo-lhe dignidade e subsistência. Moral da história: quem bate e quem apanha podem se encontrar na mesma fila do INSS, pedindo ajuda.

É duro, mas é real.

Quando a vítima é o profissional da saúde: acidente de trabalho

Agora, vamos inverter a lente. Até aqui falamos muito do agressor, mas e o profissional da saúde que foi atacado?
Pois bem: juridicamente, isso pode (e deve) ser reconhecido como acidente de trabalho. Afinal, o ataque ocorreu no exercício da atividade profissional, dentro do ambiente de trabalho. E as consequências desse enquadramento são enormes:

E o empregador nisso tudo?

É aqui que entra o “detalhe” que muita gente esquece: o empregador — no caso, muitas vezes o Município ou o Estado — tem o dever legal de zelar pela segurança do ambiente de trabalho.

Quando falamos em acidente de trabalho, não estamos apenas discutindo direitos do empregado. Estamos também falando sobre responsabilidade do empregador.

Reflexos possíveis:

Ou seja, não basta ao gestor público ou privado lamentar o ocorrido e emitir uma nota de solidariedade. É preciso investir em segurança, treinamento e prevenção. Caso contrário, a conta não fecha — e o bolso do empregador pode ser diretamente afetado.

O que isso revela sobre nós enquanto sociedade?

Quando as pessoas começam a transformar o balcão da UBS ou o consultório do CAPS em ringue, é porque o problema vai muito além da falta de médicos ou da demora no atendimento. Estamos diante de um colapso emocional coletivo, reflexo de pressões sociais, econômicas, familiares e de saúde mental não tratada.

E, nesse cenário, o Direito Previdenciário deixa de ser apenas um tema técnico de advogados e contadores: ele passa a ser ferramenta de proteção da dignidade humana. O INSS, com todas as suas falhas e burocracias, ainda é o ponto de apoio para aqueles que não conseguem se manter por conta própria.

Sim, é trágico que cheguemos a esse ponto. Mas é também um alerta: enquanto não cuidarmos de forma preventiva da saúde mental da população, o INSS continuará sendo o “hospital de última instância” — onde se buscam muletas financeiras depois que a bomba já explodiu.

Conclusão

Seja você vítima, agressor ou apenas um espectador chocado com essas notícias, uma coisa é certa: os direitos previdenciários existem para proteger o mínimo de dignidade do ser humano. O caminho é cheio de detalhes, exige provas médicas, documentos, perícias e, muitas vezes, uma boa dose de paciência (ou ironia, para não enlouquecer).

O fato é que cada episódio de violência em unidades de saúde é mais um capítulo de uma novela que mistura tragédia social, falhas do sistema público e um emaranhado de direitos previdenciários que poucos conhecem a fundo.

E aqui vai o meu conselho final: não tente enfrentar esse labirinto sozinho. Em caso de dúvida, procure um advogado especialista de sua confiança.

Tiago Faggioni Bachur é advogado, especialista e professor de direito previdenciário e autor de obras jurídicas