20 de dezembro de 2025
SAÚDE INFANTIL

TDAH: psicóloga e mãe reflete sobre impactos além da infância

Por Leonardo de Oliveira | da Redação
| Tempo de leitura: 4 min
Reprodução/Acervo Pessoal
Para Ana Flávia, psicóloga e mãe atípica, identificar sinais cedo e buscar intervenção fazem toda a diferença na vida da criança e da família

O número de diagnósticos de TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade), TOD (Transtorno Opositivo Desafiador) e TEA (Transtorno do Espectro Autista) tem crescido de forma perceptível nos últimos anos, tanto em escolas como na rede pública de saúde. Para entender o impacto a curto, médio e longo prazo o Portal GCN/Sampi entrevistou a Ana Flávia da Silva, psicóloga de orientação psicanalítica e gestora da Apae de Patrocínio Paulista. Segundo ela, o aumento não é uma “moda passageira”, mas reflexo de mudanças profundas no modo de vida atual.

“As crianças já nascem imediatistas. Não têm o tempo da espera. A própria mídia, com vídeos curtos, favorece um pensamento acelerado”. Ana lembra também que o tempo excessivo de telas, agravado pela pandemia, tem causado impactos que ainda estão sendo sentidos: “Estamos colhendo os efeitos colaterais até hoje”.

Na prática, existe uma grande procura de famílias que apresentam laudos de TDAH buscando atendimento especializado. Mas a realidade é dura: o TDAH isolado não é considerado deficiência dentro dos critérios da Apae, o que limita o acesso ao serviço. “Infelizmente, o TDAH por si só não é público de atendimento da Apae. Só conseguimos atender se houver outra deficiência associada, como autismo ou deficiência intelectual.”

A Apae atua junto ao município oferecendo profissionais de apoio pedagógico nas escolas, inclusive para crianças com TDAH, mas as vagas não dão conta da procura. Ana estima que cerca de 30% dos 91 alunos atendidos atualmente na rede municipal de Patrocínio estejam sob diagnóstico ou investigação de TDAH.

Impactos que vão além da sala de aula

As consequências do TDAH não tratado são amplas: prejuízos no aprendizado, dificuldade de socialização, baixa autoestima e risco de desenvolver outros transtornos. “O TDAH é muito mais do que aquela pessoa esquecida. É a criança que perde parte do conteúdo porque não consegue manter a atenção, que é vista como ‘danada’ ou ‘mal comportada’, mas que na verdade sofre com uma agitação interna enorme".

Quando não há diagnóstico ou intervenção adequada, a criança cresce acumulando dificuldades que acompanham toda a trajetória escolar, profissional e social. “Um TDAH não tratado pode evoluir para um transtorno de ansiedade generalizada, para depressão ou outros quadros. A pessoa passa a acreditar que é incapaz, que está sempre distraída ou que nunca faz nada direito. Isso destrói a autoestima e interfere diretamente na vida adulta”, explica.

Na rotina, essas dificuldades podem aparecer de forma sutil, mas constante: esquecimento de compromissos, perda de objetos, problemas para se organizar e até crises de ansiedade. “O TDAH não é só aquela pessoa esquecida que perde a chave do carro de vez em quando. É alguém que pode ter muito foco numa única coisa, mas esquece o restante, que se atrapalha com horários, que deixa tudo para o último minuto. Isso tudo gera prejuízo no trabalho, nas relações e na própria percepção de valor que essa pessoa tem de si mesma”, completa a psicóloga.

Segundo Ana Flávia, as famílias têm buscado mais ajuda, impulsionadas pela maior visibilidade do tema nas redes sociais e nos debates públicos. Mas aceitar que o filho precisa de intervenção nem sempre é fácil.

“Ninguém quer receber um diagnóstico. A aceitação é um processo. Geralmente, o primeiro passo é negar”.

Ela ressalta, inclusive, que o papel da escola é essencial nesse processo já que quando a instituição tem uma abordagem sensível, a família costuma chegar ao atendimento mais aberta. Caso contrário, o encaminhamento pode ser recebido com resistência.

O conselho de quem é mãe e psicóloga

Além da experiência como psicóloga, Ana Flávia também fala a partir do lugar de mãe. Ela conta que, ao identificar sinais diferentes no filho ainda muito pequeno, preferiu buscar ajuda logo, mesmo sem ter certeza do diagnóstico. “Eu pensei: posso esperar e ver no que dá ou posso procurar intervenção precoce agora. Se lá na frente não fosse nada, tudo bem. Mas se fosse algo que precisasse de tratamento e eu não tivesse procurado, o prejuízo seria por negligência minha”, relata.

Para ela, a decisão de agir cedo faz toda a diferença não apenas para o desenvolvimento da criança, mas para toda a família. “O ganho é coletivo: menos sofrimento, mais autonomia e mais qualidade de vida. Isso não é só cuidado ou escolha pessoal: é garantir um direito previsto na Constituição e no Estatuto da Criança e do Adolescente. Como mãe, percebi que aceitar que meu filho precisa de apoio é difícil, mas mais difícil seria negar a ele essa oportunidade”, completa Ana Flávia.