06 de dezembro de 2025
NOSSAS LETRAS

Ainda é possível ser feliz?

Por Baltazar Gonçalves | Especial para o GCN/Sampi
| Tempo de leitura: 3 min

 
O mundo já não oferece garantias sólidas, melhor aprender a viver com a incerteza. A vida constituída em sociedade é líquida, feita de mudanças constantes. Não gaste energia tentando controlar tudo. Em vez disso, desenvolva flexibilidade, pois o verdadeiro equilíbrio não é rigidez, é movimento com consciência.

Epicuro nos lembra que a felicidade é proporcional à capacidade que nós temos de nos contentarmos com pouco. Quem foi esse homem? Filósofo grego considerado o "Profeta do Prazer" e o "Apóstolo da Amizade", Epicuro viveu no período de 341 e 271 antes de Cristo e foi o primeiro a sugerir o que seria a teoria darwiniana, ao apresentar um esboço extraordinariamente moderno da evolução das espécies 2.300 anos antes de Charles Darwin.

Contentar com pouco pode parecer abrir mão de propósitos ambiciosos. Onde está a felicidade, em desejar muito ou satisfazer-se com pouco? Epicuro diria que o seu hedonismo (doutrina filosófica e ética que postula o prazer como o bem supremo e o objetivo principal da vida humana) não é uma busca pelo prazer desenfreado, mas uma capacidade de sentir prazer com pequenas coisas.

Dito de outra maneira: se uma pessoa que é capaz de sentir prazer apenas bebendo um copo de água para matar sua sede, essa pessoa tem muita disponibilidade para a felicidade. Ela não precisa de muito. Quem precisa de muito para ser feliz vai ter que gastar mais energia na busca, fazer muito esforço para alcançar, conquistar e manter ao estado de felicidade. Do contrário, quem precisa de pouco para sentir serenidade (que pode ser outro nome para felicidade), fará menos esforço para chegar no seu melhor resultado - uma brisa fresca num dia quente é motivo simples para a felicidade.

Relacionamentos são mais que conexões. Na era digital, é fácil confundir quantidade com profundidade. Mas relações humanas não são “likes” clicáveis. Cultive vínculos reais. Isso exige tempo, escuta e vulnerabilidade. Fale de suas imperfeições, ninguém é feito de ferro. Só o amor profundo resiste ao tempo que é a maior ilusão e também líquido. Não terceirize seu valor. O consumismo tenta preencher vazios que só o autoconhecimento pode alcançar. Você não é o que você compra, exibe ou posta. Seja sujeito de si, não objeto do mercado. Quanto mais você se conhece, menos precisa da aprovação alheia. E ouse desacelerar.

Os mecanismos da sociedade nos empurra para correr, mas a sabedoria pode estar na pausa. Mesmo quando você dá um passo atrás, continua caminhando; pausar não é perda de tempo, é ganho. O silêncio, o tédio e a solidão têm algo a te ensinar. É no intervalo entre os ruídos que você escuta quem realmente é. Seja ético mesmo que pareça ingênuo. Num mundo onde tudo é negociável, manter seus valores pode parecer fraqueza. Mas são os princípios que sustentam sua dignidade.

O caráter é o que sobra quando tudo à sua volta desmorona se a liberdade sem responsabilidade é só fuga.
No fim das contas, ser feliz é proporcional à capacidade que nós temos de nos contentarmos. A modernidade exalta a liberdade individual, mas esquece de informar que viver em sociedade é também cuidar do outro. Liberdade verdadeira é a que constrói pontes, não muros. Quem não aprende a mergulhar em si mesmo acaba se afogando no raso quase vazio dos outros.

Baltazar Gonçalves é historiador formado pela Unesp e escritor membro da Academia Francana de Letras.