O cenário político brasileiro, marcado por uma polarização exaustiva, tem gerado um cansaço generalizado no eleitorado. Pesquisas recentes apontam que a maioria dos brasileiros rejeita novas candidaturas tanto de Lula quanto de Bolsonaro, abrindo uma janela de oportunidade para alternativas. Nesse contexto de fadiga, surge o Partido Missão, uma nova força política originada do Movimento Brasil Livre (MBL), que se propõe a ser uma direita liberal-conservadora moderna e institucional, buscando dialogar especialmente com a Geração Z e os millennials.
Mas, seria esse mais um “nanico” entre as quase 30 siglas da política brasileira ou uma “onça” - símbolo do grupo - que veio pra dominar a fauna?
A identidade do Partido Missão é multifacetada. Sua base ideológica é detalhada no “Livro Amarelo”, um projeto que sistematiza seus pilares programáticos: combate à corrupção, endurecimento penal, reforma educacional, incentivo à industrialização (com foco no Nordeste), responsabilidade fiscal, sustentabilidade e defesa dos valores tradicionais. Esse posicionamento marca uma evolução do MBL original, que era mais focado no liberalismo econômico, incorporando agora o conservadorismo social e, quando necessário, um pragmatismo quanto a atuação política. O partido se diferencia do bolsonarismo ao rejeitar o populismo sem programa, o aparelhamento político e o autoritarismo, defendendo uma institucionalidade democrática e investindo na formação de quadros técnicos a partir das próprias base. Além disso, o Missão identifica o Centrão como um dos principais problemas da política brasileira, propondo a renovação geracional e o confronto direto com as oligarquias por meio da transparência e da tecnologia.
A estrutura organizacional do Partido Missão é profundamente enraizada no universo digital. O movimento desenvolveu um ecossistema sofisticado que inclui forte presença em redes sociais como Instagram, YouTube e TikTok. O partido utiliza o Clube MBL para monetização e engajamento, e possui uma editora própria, a Valete, responsável pela produção do “Livro Amarelo” e outros materiais. Essa abordagem visa engajar jovens que buscam soluções práticas e desconfiam da polarização tradicional, utilizando linguagem jovem, referências pop culturais e conteúdo rápido. A Academia MBL, um programa de formação de líderes, exemplifica a aposta na construção de quadros qualificados, com egressos que já obtiveram sucesso nas eleições municipais de 2024.
O processo de formação do Partido Missão demonstra uma notável capacidade organizacional. Após a decisão do MBL em 2022 de criar uma sigla própria, o partido foi lançado em congresso em novembro de 2023. Em junho de 2025, o Missão alcançou um marco histórico ao superar a meta mínima de 547.042 assinaturas válidas exigidas pelo TSE. Esse feito é extraordinário, especialmente em contraste com tentativas fracassadas como a Aliança pelo Brasil, de Jair Bolsonaro.
Nas eleições municipais de 2024, o MBL (que dará origem ao Missão) elegeu 13 vereadores em 7 estados diferentes, demonstrando sua capilaridade nacional e a capacidade de traduzir a mobilização digital em resultados eleitorais. Lideranças como Kim Kataguiri (deputado federal), Guto Zacarias (deputado estadual), e Amanda Vettorazzo (vereadora mais votada do MBL em São Paulo) já possuem mandatos e experiência política, conferindo ao partido uma base sólida para a transição.
No entanto, o Missão enfrentará desafios gigantescos. O objetivo central para 2026 é ultrapassar a cláusula de barreira, que exige 2,5% dos votos válidos para deputado federal em pelo menos 9 estados ou a eleição de 13 deputados federais em 9 estados, garantindo assim acesso pleno a recursos e visibilidade institucional.
Casos de sucesso não faltam...
O surgimento do Partido Missão no Brasil não é um fenômeno isolado; ele se insere em uma tendência global de movimentos políticos disruptivos criados por jovens que desafiam o establishment tradicional. Analisar esses paralelos internacionais permite compreender as singularidades e os caminhos potenciais do Missão, reconhecendo seu alinhamento com abordagens modernas e eficazes de renovação política, que aproveitam um cenário de crise de legitimidade das instituições políticas tradicionais.
Na Hungria, o Fidesz (Federação de Jovens Democratas), fundado em 1988 por jovens estudantes como Viktor Orbán (primeiro-ministro desde 2010), emergiu em um contexto pós-comunista, inicialmente com um perfil liberal e limitando a participação a membros com menos de 35 anos. O Missão compartilha com o Fidesz sua origem em um movimento juvenil e a utilização de plataformas midiáticas próprias — como o "Livro Amarelo" do Missão e a revista Századvég do Fidesz. Ambos mobilizam a juventude como um veículo para a legitimação política e a diferenciação eleitoral, apresentando-se como forças de renovação em contraste com a "estagnação do establishment". Contudo, a singularidade positiva do Missão reside em sua busca por clareza ideológica e doutrinação estruturada através do "Livro Amarelo", em oposição à notável adaptação ideológica pragmática que o Fidesz demonstrou ao longo do tempo, transformando-se de liberal-reformador a autoritário para conquistar e manter o poder. Além disso, o Missão projeta uma liderança mais plural e institucionalizada, distanciando-se do modelo de "autocracia eleitoral" consolidado pelo Fidesz de Orbán, onde a liderança é altamente personalista e hegemônica.
Na Itália, o Movimento 5 Estrelas (M5S), lançado em 2009 por Beppe Grillo e Gianroberto Casaleggio, surgiu da blogosfera em um cenário de descrédito dos partidos tradicionais após a crise financeira de 2008, com uma estrutura inovadora baseada na democracia direta digital. Tanto o Missão quanto o M5S se destacam pelo uso intensivo de plataformas digitais para mobilização de jovens e pela retórica anti-sistema, posicionando a juventude em oposição ao "velho e obsoleto". O M5S demonstrou a eficácia da "gamificação" da política para engajar jovens, estratégia que o Missão também emprega com sua linguagem jovem e referências culturais em plataformas como Twitch e TikTok. A vantagem do Missão, neste comparativo, é sua aposta em um programa ideológico mais estruturado e definido, ao contrário da fluidez e do populismo pragmático do M5S, que enfrentou desafios de governabilidade e fragilidades internas ao chegar ao poder. O Missão busca combinar a inovação digital com uma estrutura partidária mais clássica para garantir maior estabilidade e maturidade.
Na Argentina, o La Libertad Avanza (LLA), formalizado em 2021 sob a liderança de Javier Milei, emergiu em meio a uma severa crise econômica e desilusão com os partidos tradicionais. Milei construiu sua base por meio das redes, utilizando uma figura carismática e um discurso anti-político. O Missão compartilha com o LLA a origem em um movimento intelectual/acadêmico, o uso intensivo de plataformas digitais para mobilização e a construção de uma narrativa anti-establishment que apela ao descontentamento com a política tradicional e os marajás (ou casta, como popularizado por Milei pra lá da fronteira).
Na França, o En Marche! (atual Renaissance), criado por Emmanuel Macron em 2016, representou uma alternativa ao bipartidarismo tradicional, combinando apelo jovem com pragmatismo tecnocrático. Apesar de aqui termos menos semelhanças, assim como o En Marche!, o Missão busca uma "terceira via" (no caso, à direita) entre polarizações tradicionais, utilizando jovens como agentes de renovação. Ambos demonstraram capacidade de inovar na organização e na mobilização cidadã, com o En Marche! realizando a "Grande Caminhada" para coletar opiniões de milhares de franceses. O Missão aprende com a trajetória do En Marche!, que teve uma ascensão muito rápida, e planeja uma consolidação mais gradual e orgânica. Essa abordagem mais cautelosa busca garantir a sustentabilidade institucional e evitar a instabilidade observada na política francesa após a primeira eleição de Macron – conforme brada o líder do partido, Renan Santos, devem “dominar o nicho para então crescer no grande público”.
Por fim, em El Salvador, o Nuevas Ideas, fundado em 2017 por Nayib Bukele, exemplifica como líderes millennials podem construir hegemonias políticas, com Bukele cultivando uma imagem de líder jovem, moderno e anti-establishment por meio das redes sociais. O Missão tem uma inspiração explícita e assumida no modelo de segurança pública de Bukele, defendendo uma "guerra total ao crime organizado", com propostas como "prender traficantes definitivamente" e "matar criminosos mais perigosos em confrontos legítimos". Ambos utilizam intensivamente as redes sociais para mobilização e possuem uma narrativa anti-establishment, buscando uma reformulação gigantesca do sistema penal com base no "Direito Penal do Inimigo", teoria do criminalista Günther Jakobs.
O Partido Missão representa um experimento político inédito no Brasil, ao tentar institucionalizar um movimento nascido da internet em um partido com base sólida e ambições de longo prazo. Sua capacidade de mobilização, a qualidade técnica de seus quadros e a coerência ideológica estabelecem um novo padrão para movimentos políticos no país. Os desafios não são poucos: limitações de recursos financeiros em comparação com partidos estabelecidos, a resistência do sistema político tradicional, a necessidade de amadurecimento organizacional na transição de movimento para partido e a gestão de tensões internas.
Em um cenário realista, o Partido Missão tem grande probabilidade de se consolidar como uma força política com influência real (ainda mais dado que já contará com nomes estabelecidos como dos deputados Kim Kataguiri e Guto Zacarias), capaz de pautar debates e oxigenar o sistema político brasileiro. Seu sucesso em 2026, especialmente na superação da cláusula de barreira, será um teste crucial para a viabilidade de movimentos políticos gestados na internet no Brasil contemporâneo.
Miguel Francisco é coordenador do Movimento Brasil Livre, estudante de Direito na UNESP de Franca e Colunista no portal GCN.