18 de dezembro de 2025
GAZETILHA

Duas pistas e um abismo: o risco da irrelevância política

Por Corrêa Neves Jr. | editor do GCN/Sampi
| Tempo de leitura: 8 min

"Nenhum vento sopra a favor de quem não sabe para onde vai"
Sêneca, filósofo romano

Falta pouco mais de um ano para que os partidos oficializem suas candidaturas à Assembleia Legislativa, em São Paulo, e à Câmara dos Deputados, em Brasília. Em Franca, o tabuleiro nos bastidores registra intensas movimentações. Mas a efervescência local, que poderia sinalizar maturidade democrática e inteligência estratégica, parece repetir o mesmo roteiro de sempre: muita agitação para pouca chance de resultado prático.

Franca, com 358 mil habitantes (prováveis 252 mil eleitores em 2026), tem uma das economias mais relevantes do interior paulista. É também uma das melhores cidades para se viver no Brasil. Ainda assim, convive com a baixíssima representação parlamentar, o que dificulta a atração de investimentos públicos e, por tabela, também dos privados — simplesmente porque há pouca gente lutando pela cidade nas mesas decisórias da capital paulista ou federal.

Sem ser percebida, a cidade acaba ignorada — ou, na leitura mais otimista, relegada a segundo plano. Basta olhar para o número de visitas de ministros de Estado à região ao longo dos últimos anos, ou ainda listar os investimentos federais e estaduais por aqui, para constatar, sem qualquer viés ou paixão, que não há nenhum exagero nesta análise.

Hoje, são apenas dois deputados estaduais ligados à cidade (Delegada Graciela, do PL, e Guilherme Cortez, do Psol). Há mais de uma década, Franca está sem ninguém em Brasília que a defenda. E, ainda assim, lideranças locais e parte do eleitorado resistem em assimilar essa lição.

Historicamente, analisados os últimos cinco ciclos eleitorais (2006, 2010, 2014, 2018 e 2022), na média geral, eleição após eleição, apenas cerca de 45% dos votos da cidade para deputado são efetivamente “aproveitáveis”. O restante se perde entre abstenções, votos nulos, brancos ou entregues a candidatos sem qualquer relação direta com a cidade ou região.

O quadro que se desenha para 2026 é um retrato quase caricato desse histórico. É como se estivéssemos numa rodovia de duas pistas. Na da esquerda (não há aqui qualquer vinculação ideológica; trata-se de mera abstração referencial), a disputa por uma cadeira na Alesp está congestionada. Nomes como o da atual deputada Delegada Graciela (PL), da empresária Flávia Lancha (PSD), do ex-prefeito Gilson de Souza (Avante hoje, provavelmente PSB amanhã), de Cristiany Castro (PP), de Sérgio Granero (Republicanos), de Mariana Negri (PT), já estão em movimento. O Novo também deve lançar alguém, que por enquanto segue indefinido.

Na pista ao lado, a da Câmara Federal, quase não se vê trânsito: até aqui, só a primeira-dama Cynthia Milhim (MDB), o ex-deputado Dr. Ubiali (PSB) e o vereador Daniel Bassi (PSD) aparecem como nomes ventilados e são prováveis candidatos. Poderia representar um caminho mais óbvio — só que não.

O número de votos exigido para chegar à Câmara dos Deputados é significativamente maior, e a soma do eleitorado de Franca e região há tempos não é suficiente para eleger alguém. Sem uma candidatura amplamente competitiva, com densidade regional e apoio estadual, é muito provável que a cidade continue sem representação em Brasília.

A maior dúvida nessa distribuição provisória dos nomes que devem entrar na disputa é o caminho que vai escolher Guilherme Cortez (Psol), deputado estadual com base eleitoral em Franca, mas que acabou eleito com votação pulverizada em todo o Estado. Ele pode optar por uma candidatura federal. Seu destino depende mais da votação que vai receber nas muitas regiões do Estado do que do apoio que nasça de Franca. Se resolver disputar um novo mandato na Alesp, caminho mais seguro para si, congestiona ainda mais a via dos “francanos” que também sonham com uma vaga em São Paulo.

Há ainda as movimentações de Flávia Lancha, bem votada em três disputas, apesar de não ter alcançado seus objetivos, e que imaginava sair a estadual. Há pressão no seu entorno, inclusive entre os caciques nacionais, para que corrija a rota e mire Brasília, o que, apesar da dificuldade, sinaliza ao menos alguma leitura estratégica do cenário. Neste caso, pode ser uma ousadia que funcione melhor do que a obviedade. Mas claro que as chances de sucesso, para ela ou qualquer outro, dependem de uma conjunção de fatores.

Gosto de ser didático, ou pelo menos tento ser, e acredito que sempre que ideias são fundamentadas com dados, maiores as chances de que a clareza resulte em compreensão. Tomemos, então, como base os 45% de votos “aproveitáveis” verificados nas últimas cinco eleições, cruzemos com o total de eleitores prováveis em 2026 e comparemos com o número de pré-candidatos e o resultado dos eleitos na disputa de 2022.

Tudo isso para mostrar que, se nada for feito, há chances reais de Franca não apenas continuar sem deputado federal, como também ver reduzida sua representação na Alesp ou, até, ficar sem ninguém por lá. Nada disso tem a ver com a qualidade dos nomes, sua orientação ideológica ou qualquer questão subjetiva. É pura e simples matemática.

Os últimos eleitos pelos principais partidos para a Alesp, em 2022, foram Guilherme Cortez (Psol), com 45.094 votos; Dr. Elton (PSC), com 46.042; Valdomiro Lopes (PSB), com 50.824; Eduardo Nóbrega (Podemos), com 53.607; Vitão do Cachorrão (Republicanos), com 56.729. No PT, o lanterna foi Simão Pedro, eleito com 57.785. No PSD, Paulo Corrêa Júnior, com 62.239. No PL, Fabiana Barroso, com 65.497. No PP, Letícia Aguiar, com 68.556.

Se nada mudar, teremos 113 mil votos “aproveitáveis” em Franca para deputado. Na via estadual, a lista acima deixa claro que qualquer um que deseje se sentar numa cadeira no Palácio 9 de Julho, sede do Legislativo Paulista, precisa superar a barreira dos 60 mil votos para não depender de um milagre — e, mesmo assim, terá terminado na rabeira.

Se querem entrar na disputa Graciela, Flávia Lancha, Gilson de Souza, Cristiany Castro, Mariana Negri e Sérgio Granero — além da hipótese de Guilherme Cortez —, resta óbvio que vai faltar voto. E também que, a depender da pulverização, de como esses votos disponíveis serão divididos entre tantos, há uma chance razoável de que ninguém termine eleito — com exceção de Cortez, o único que tem votação expressiva fora de Franca, em diferentes regiões.

Para Federal, apesar de menos nomes, como a quantidade de votos necessários é ainda maior, a probabilidade de que alguém de Franca saia vitorioso é baixa. Vejamos a lista dos últimos eleitos na disputa de 2022. No PL, Tiririca, aquele palhaço (literalmente) do “pior que tá, não fica”, entrou com 71.754; no PSB, Jonas Donizette, ex-prefeito de Campinas, conquistou sua cadeira em Brasília com 84.044; no União Brasil, Fernando Marangoni precisou de 89.390 votos; no Republicanos, Maria Rosas só chegou com 94.787 votos. No PSD, Carlos Sampaio somou 98.102. No Novo, Adriana Ventura alcançou 109.474. No Psol, Luiza Erundina teve 113.983. No PT, Paulo Teixeira atingiu 122.800. No PP, Maurício Neves recebeu 129.131. E, no MDB, Simone Marquetto só alcançou seu lugar ao sol com 97.730. E esses foram os últimos eleitos por suas respectivas legendas.

Não é preciso ser exatamente brilhante para constatar que, com os 113 mil votos “aproveitáveis” de Franca, a missão de Cynthia Milhim, Ubiali, Daniel Bassi e quem mais se aventurar numa disputa federal beira o martírio. Seria preciso que a cidade inteira votasse num único nome, somados a mais alguns votos da região, para que alguém de Franca tivesse chance de entrar. Sem isso, a aventura eleitoral poderá servir para construção de imagem, projeção de força, mas dificilmente para garantir um lugar em Brasília.

Que ninguém venha com a delirante ideia de que os votos da região são suficientes para mudar essa realidade. Não são — simplesmente porque também na região não há votos suficientes. Os municípios próximos a Franca têm população reduzida. A exceção são Batatais e São Joaquim da Barra, mas que física e historicamente estão muito mais conectadas a Ribeirão Preto e não costumam ser generosas com os candidatos de Franca.

Assim, com uma pista entupida e outra deserta, o risco é de que nenhuma das duas leve Franca a lugar algum. Estou dizendo com isso que é uma causa perdida? Não, necessariamente. Para além do problema aritmético, trata-se de uma questão de identidade e estratégia coletiva. Não se trata de torcer por um nome específico, mas de compreender que, sem unidade, foco e inteligência eleitoral, a cidade sai derrotada. E, quando perde, não perde um cargo: perde voz, recursos, protagonismo.

Lideranças empresariais, políticas, religiosas, comunitárias precisam encarar essa realidade — e os números — de frente. É hora de parar de fingir que o problema não existe. É hora de construir uma solução.

Franca não precisa de unanimidade, mas de prioridade. Não se trata de anular divergências, mas de reconhecê-las e superá-las diante de algo maior: o tal interesse coletivo. Cada voto desperdiçado é um silêncio a mais nas decisões que importam. E quem não fala, não é ouvido.

Se Franca quiser mesmo mudar esse quadro, não basta acelerar: é preciso saber para onde vai — e ir junto. Isso exige mais do que candidaturas: exige consciência coletiva e participação popular. Porque, no fim, a escolha não é apenas entre São Paulo ou Brasília. É entre protagonismo e irrelevância. E o tempo para decidir está acabando.

Corrêa Neves Jr é jornalista, diretor do portal GCN, da rádio Difusora de Franca e CEO da rede Sampi de Portais de Notícias