No último 22 de junho, estive em São Paulo para participar da minha primeira parada lgbt+. Já fotografei paradas em Franca e Uberaba, mas ainda não tinha submergido na multidão da maior parada lgbt+ do mundo, na avenida Paulista. Notadamente Gay, sou consciente do privilégio de ser homem branco cis e tenho orgulho, hoje em dia (porque essa história é um processo de longa duração) de falar abertamente da minha identidade de gênero, contribuindo com letramento a quem tenha acesso à minha produção literária, seja nos livros que publiquei, nas redes sociais, ou nos círculos e rodas e grupos onde tenho oportunidade de dialogar sobre todas as questões relevantes do nosso tempo.
Envelhecemos um dia de cada vez, seja você lgbt+ ou não. Sabemos que fim inexorável para todos é a morte. Morre-se independente de ter ou não convênios médicos e acesso a medicação importada. Morre-se independente da cor de pele, independente de ser homo ou heterossexual. A luta por dignidade humana ainda será um esforço coletivo de todos, apesar das diferenças que não nos separam, mas nos fortalece porque é justamente na diversidade que está a força do povo brasileiro.
Envelhecer é um fato da vida, não romantiza a velhice nem nega as faces da beleza que tem essa fase da vida, momento em que é preciso ter mais cuidados com a saúde e bem-estar. No entanto, envelhecer também é luta constante, de quem avança na idade e de quem chegará se tiver sorte e não perecer antes. A morte pode acontecer mais cedo para uns que para outros. Lutar por direitos civis justifica o tema dessa 29ª edição da Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo que reuniu milhares de pessoas na Avenida Paulista com o tema: Envelhecer LGBT+: Memória, Resistência e Futuro.
“Memória” porque celebramos o passado, somos gratos aos que vieram antes. Desde “Stonewall”, uma série de confrontos espontâneos entre membros da comunidade LGBTQ+ e a polícia de Nova Iorque, que ocorreram no bar Stonewall em junho de 1969, considerado ponto de viragem na luta pelos direitos LGBTQ+ nos Estados Unidos e em todo o mundo. Em Franca, celebramos Fernanda Dorneles, Soninha flash, Isabelita dos Patins, a Elen e o Paulo, vulgo Paula Vaca. Gratidão também à memória dos que sucumbiram ao peso do ódio no preconceito, morrendo apenas por ser que era.
“Resistência” porque celebramos o presente, é aqui e agora que precisamos lutar para garantir direitos básicos de saúde e educação, tanto os que já foram conquistados quantos direitos que ainda são negados por políticas separatistas não inclusivas, a luta se faz hoje para que ninguém mais seja excluído por ser quem é.
“Futuro” porque queremos, assim como você, um amanhã onde direitos básicos não sejam vistos como privilégio ou usurpação, um futuro com mais inclusão numa economia cada vez mais dinâmica, onde as pessoas não sejam excluídas do mercado de trabalho simplesmente por serem quem são.
O tema “ENVELHECER” espelha não só a idade cronológica da parcela lgbt+ que sobreviveu ao preconceito da pandemia de HIV-AIDS dos anos 80, sendo exemplo de organização política coletiva no enfrentamento da crise de saúde global, conquistando para toda a humanidade o apressamento de pesquisa científica, medicação e controle da disseminação; mas também, “ENVELHECER” celebrando a vida pessoas trans dessa geração que conquista expectativa de vida maior que a ínfima idade de 35 que era o cenário das décadas anteriores.
De todos os grupos sociais, o alvo preferencial desprezo, nascido no preconceito, é a pequena parcela de pessoas transgero. A proporção de pessoas trans e não binárias na população brasileira é estimada em cerca de 2%, de acordo com estudos da Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB/Unesp). Essa porcentagem corresponde a aproximadamente 4 milhões de pessoas, considerando a população adulta do país. E mesmo assim, o Brasil continua sendo o país em que mais pessoas trans morrem vítimas da intolerância e preconceito, vítimas do ódio represado em quem (segundo Freud) precisa de análise e autoaceitação. A expectativa de vida dessa população ainda é baixa, com exceções notórias como Rogéria, João Nery, Roberta Close e Nany People reconhecida por ser atriz, humorista e apresentadora brasileira, que celebra 60 anos em 2025 desafiando estatísticas de expectativa de vida de pessoas trans no Brasil, (segundo o CARAS Brasil).
Fundada em 1999, a APOLGBT-SP (Associação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo) é a ONG responsável por organizar a maior Parado do mundo, que gerou nessa edição de 2025 um impacto econômico de R$ 548,5 milhões para a capital paulista, segundo levantamento da Associação Comercial de São Paulo (ACSP). A edição de 2025 foi marcada por avanços nas áreas de acessibilidade e sustentabilidade. Intérpretes de Libras, rampas de acesso, pistas adaptadas e áreas reservadas para pessoas com deficiência foram implementadas em pontos estratégicos da parada. Banheiros adaptados, áreas de descanso e apoio de voluntários também garantiram inclusão durante o evento. As ações foram realizadas em parceria com as Secretarias Estadual e Municipal da Pessoa com Deficiência. Foi uma festa, alegre como deveria ser o sentimento de sermos politicamente ativos nas menores coisas que fazemos.
Quanto à mim, foi um caminho de vida longo o percurso até chegar aqui para traz essa crônica. Sei que minha voz não alcança o mundo que é tão vasto quanto um poema de Drummond, mas se posso ser ouvido ou lido não me furto ao compromisso de promover letramento e inclusão. Porque assim como você, eu também quero um amanhã menos cinza, mais colorido e com mais oportunidades e sonhos.
Baltazar Gonçalves é historiador, mediador de leituras e escritor membro da Academia Francana de Letras.