Você já ouviu falar em gente que leva boneca ao hospital? Sabia que para muitos especialistas isso pode estar muito mais ligado a dor do que a loucura?
É fácil julgar o estranho. Um adulto segurando um bebê que, ao se aproximar, revela-se uma boneca de olhos fechados e pele perfeita, com roupas de recém-nascido, mamadeira na bolsa e até certidão de nascimento falsa. Para muitos, é apenas excentricidade. Para outros, um sinal claro de desequilíbrio. Mas para quem vive esse cenário por dentro, pode ser algo muito mais profundo: um pedido silencioso de ajuda.
O que parecia um modismo virou polêmica — e chegou às redes sociais, aos noticiários, ao Congresso Nacional e, agora, pode estar chegando à porta das agências do INSS. E o que fazer quando a linha entre o hobby e a dor se torna invisível?
Bebês reborn são bonecos hiper-realistas, feitos de vinil ou silicone, pintados à mão e cuidadosamente confeccionados para se parecerem com bebês de verdade — inclusive com veias, dobrinhas, cabelo, cílios e peso corporal compatível com o de um recém-nascido.
Originalmente criados como peças de arte e itens de coleção, passaram a ocupar um espaço delicado na vida de muitas pessoas que vivenciam o luto, a solidão ou a frustração com a maternidade. E aí, algo muda: o boneco deixa de ser apenas objeto e passa a preencher um vazio emocional.
Não há nada de errado em ter um bebê reborn. Assim como há quem colecione bonecos, trens ou gibis, há quem encontre conforto nesses pequenos “bebês de mentira”.
O problema começa quando o faz de conta vira rotina. Pessoas que:
É aqui que os sinais se acendem — e o INSS pode ser chamado a intervir.
No filme Náufrago, estrelado por Tom Hanks, o protagonista se vê preso em uma ilha deserta por anos. Isolado do mundo, sem contato humano, ele encontra consolo emocional em uma simples bola de vôlei, à qual dá nome e personalidade: “Wilson”. A partir daí, conversa com ela, chora por ela e até arrisca a própria vida por ela.
Não era loucura. Era sobrevivência emocional.
Esse é um exemplo clássico — e comovente — de como o ser humano pode criar vínculos profundos com objetos inanimados quando exposto a experiências extremas de solidão, luto ou dor. Com os bebês reborn, para algumas pessoas, acontece algo parecido: o objeto vira símbolo de algo que faltou — ou foi perdido.
Por mais estranho que pareça, o uso abusivo de bebês reborn pode revelar transtornos psiquiátricos sérios e incapacitantes, que podem interferir diretamente na vida profissional e funcional da pessoa.
Casos assim podem envolver benefícios como:
Auxílio por Incapacidade Temporária (auxílio-doença)
Aposentadoria por Incapacidade Permanente (invalidez)
BPC/LOAS por deficiência
Nem toda pessoa que tem ou cuida de um bebê reborn está doente. Mas quando esse vínculo passa a afetar a capacidade de trabalhar, de se relacionar, de distinguir o real do imaginário — estamos, sim, diante de uma possível patologia.
Psiquiatras e psicólogos já classificam quadros em que o bebê reborn surge como objeto de substituição emocional extrema, especialmente em:
E como o INSS exige laudos médicos e comprovação da incapacidade, é fundamental que a situação seja acompanhada por profissionais da saúde mental. Um bebê reborn que recebe leite, consulta médica e berço de verdade pode ser um sintoma de uma dor invisível — e isso, sim, precisa ser reconhecido e tratado.
Infelizmente, há quem tente usar o bebê reborn como instrumento de fraude, buscando vantagens que são legalmente destinadas a crianças reais ou pessoas realmente incapacitadas. Casos como:
Mais delicado ainda é quando alguém simula ter um transtorno psiquiátrico relacionado ao uso do boneco — tudo com o objetivo de receber um benefício por incapacidade ou até mesmo o BPC (LOAS).
Aqui, estamos diante de conduta criminosa, prevista no artigo 171 do Código Penal (estelionato contra a Previdência), e também passível de responsabilização civil e administrativa.
Mas é possível descobrir quem está fingindo?
Além disso, o próprio comportamento do segurado no dia da perícia pode entregar sinais de simulação ou exagero (fenômeno chamado de malingering na literatura médica).
Peritos são treinados para identificar inconsistências, como por exemplo:
Fraudar o INSS pode sair muito caro
A boa-fé é um dos princípios que norteiam o sistema previdenciário. O que é direito para muitos não pode virar um atalho para poucos.
Vivemos tempos em que as dores emocionais tomam formas inesperadas. Para alguns, um bebê reborn pode ser apenas um hobby. Para outros, uma tentativa desesperada de resgatar algo que foi perdido. E para o Estado, pode ser tanto um sinal de sofrimento legítimo quanto de possível fraude.
O que não podemos fazer é ignorar a complexidade desses casos. O Direito Previdenciário, com toda sua tecnicidade, também é uma ponte para o cuidado humano. E o INSS, mais do que números e perícias, lida todos os dias com histórias de vida.
A análise da incapacidade laboral, dos laudos médicos e da situação social exige conhecimento técnico e sensibilidade. Se você ou alguém próximo estiver passando por algo semelhante, não enfrente isso sozinho. Um bom profissional pode orientar não apenas sobre o que a lei permite, mas sobre o que a dignidade exige.
Tiago Faggioni Bachur é advogado, especialista e professor de direito previdenciário e autor de obras jurídicas.