"Se você não pode resolver um problema, então talvez você faça parte dele"
Goethe, escritor e cientista alemão
Os servidores públicos municipais de Franca, reunidos em assembleia neste último sábado, 22, decidiram decretar “estado de greve”. É um estágio anterior à paralisação propriamente dita e uma reação direta à tentativa da prefeitura de impor o reajuste anual sem que houvesse um acordo, via projeto protocolado na Câmara Municipal para ser votado em regime de urgência.
A operação deflagrada pelo Executivo não funcionou. Parte significativa dos vereadores recusou-se a colocar sua assinatura para que o projeto fosse discutido e aprovado pela via expressa na sessão da última terça-feira, 18. A manobra, ainda que frustrada, azedou de vez o clima que, de doce e suave, já não tinha nada. O “estado de greve” é o resultado direto desta operação desastrada e acrescenta mais um problema à já considerável coleção que atormenta o governo Alexandre Ferreira (MDB) neste início de mandato.
Nada surpreendente, este também foi gestado dentro do próprio gabinete. Era completamente evitável, absolutamente desnecessário e totalmente despropositado. O presidente do Sindicato dos Servidores, Fernando Nascimento, está longe de ser um exemplo de bom senso, mas nas negociações deste ano, não foi dele que partiu a intransigência. Nem foi ele que se mostrou inflexível. Nem coube a ele nenhuma tentativa de manobra canhestra. Todas as ações que resultaram nesta condição de pré-greve partiram dos representantes ou articuladores do prefeito Alexandre Ferreira.
Não vou entrar no mérito do nível salarial dos servidores, de benesses concedidas ao longo dos anos por distintos governos (como é o caso das tais “faltas abonadas”, de difícil compreensão para mim), nem na baixa arrecadação do município. Todos são fatos, contra os quais há pouco a fazer neste instante. Não há mágica que os solucione imediatamente, assim como não existe milagre que anule o direito de todas as categorias profissionais (formalizados) do Brasil a um reajuste anual.
Os termos e índices aplicáveis são definidos a partir de uma negociação. De um lado, os prepostos de quem emprega. Do outro, os representantes de quem é empregado. Quase sempre, prevalece o bom senso. Quando isso não acontece, vai para dissídio, que é quando a Justiça resolve os termos aplicáveis. A greve, justa ou injusta, é um direito dos trabalhadores neste processo.
E o que fez o governo Alexandre Ferreira neste ano? Cometeu erros em série. Para começar, o prefeito nomeou uma comissão de negociação que parece mais um pelotão de fuzilamento: o procurador geral do município, Eduardo Campanaro, a chefe de gabinete da secretaria de Finanças, Neide Lopes, e o secretário de Administração e Recursos Humanos, Peterson Facirolli. Independente de suas qualidades técnicas, nenhum deles é conhecido exatamente por suas virtudes diplomáticas.
Resultado direto desta primeira escolha, não houve avanço nas negociações. Zero surpresa. A proposta inicial do Executivo, de aplicar apenas a inflação acumulada no período (cerca de 5%), repetiu-se em todas as reuniões. Não melhoraram substancialmente nada. Nem no aumento aplicável ao salário, nem no cartão alimentação, nem em coisa nenhuma. A proposta inicial é praticamente idêntica à proposta final. A isso se pode chamar de muitas coisas mas, jamais, de uma “negociação”.
Se o exemplo vale alguma coisa, poderia a administração olhar para o que aconteceu com os sapateiros, onde houve uma negociação de fato e um acordo foi fechado. Ainda que os salários da categoria estejam longe de serem exuberantes, os sapateiros puderam comemorar um ganho real de 3,13%, resultando num aumento de 8% nos seus vencimentos, além de outros benefícios que foram mantidos ou ampliados.
Para piorar a tensão com os servidores municipais, mesmo havendo a convocação para uma nova rodada de negociação na última sexta-feira, 21, a prefeitura tentou usar os vereadores para se livrar do problema e mandou o projeto, sem concordância do sindicato, para votação na terça-feira anterior. Ou seja, em pleno andamento das supostas “negociações”, entre uma reunião e outra, algum gênio do gabinete achou que seria uma boa ideia forçar goela abaixo o reajuste usando os vereadores como “boi de piranha”. Os vereadores da atual legislatura parecem menos dispostos ao martírio voluntário do que seus anteriores e, como visto, não deu certo.
Desconheço se o prefeito Alexandre Ferreira gosta de truco mas, se a resposta for sim, acho que está longe de ser um jogador muito hábil. Essencialmente porque no truco importam as suas cartas; as do parceiro; entender as dos seus oponentes; e saber como convencer os adversários de que seu jogo é melhor. Nem sempre ganha que tem as melhores cartas na mão, mas sim, quem convence o adversário de que as tem – ainda que seja um blefe. Não é muito diferente da vida.
Nas negociações com os servidores, a comissão que representa Alexandre já mostrou todas as suas cartas. E mesmo com um jogo medíocre nas mãos, pediu truco. O sindicato tem pouco a perder. A proposta, de reposição inflacionária, já é o que a Justiça concederá, no mínimo. Não há grande prejuízo se os servidores levarem a discussão para o dissídio na Justiça. Nunca terão menos do que a inflação. Além disso, por mais que a prefeitura tente aterrorizar com a supressão de algumas benesses, não é crível que a Justiça simplesmente os elimine depois de terem feito parte de sucessivos acordos coletivos. Fernando Nascimento aceitou o desafio e dobrou a aposta. Respondeu ao “truco” da administração pedindo “seis”.
É mais um desgaste, certo, para o governo. A troco de quê? Não faço ideia. Seria tudo muito diferente se, nestas reuniões de negociação, tivesse a prefeitura acenado com distintas possibilidades e o sindicato rechaçado todas. A intransigência estaria do outro lado. E os vereadores teriam muito melhores justificativas para, eventualmente, aprovar o reajuste mesmo sem acordo. Mas não é isso que se vê.
Tudo indica que Alexandre Ferreira vai tentar repetir a manobra na sessão desta terça-feira, 25, na Câmara. Nada sinaliza que vá dar certo mas, ainda que dê, via rolo compressor, qual o saldo? Vereadores brutalmente desgastados e servidores irritadíssimos. Quem ganha com isso? Não consigo ver ninguém. Muito menos, o próprio prefeito.
Parte considerável da missão de liderar é convencer as pessoas de que o objetivo é o correto. De que as dificuldades, não importa quais sejam, podem ser superadas. E que o sacrifício vale a pena, porque é parte do caminho rumo ao bem maior. Nada disso faz sentido neste momento. Pelo que exatamente os vereadores se sacrificariam? Por qual razão o Executivo se recusa a apresentar uma proposta alternativa qualquer? Por que os servidores “concordariam” com uma proposta que foi enfiada goela abaixo se podem conseguir alguma coisa melhor na Justiça? Que diabo de estratégia é essa em que todos perdem? Vale tudo só para ter o regojizo de dizer “fiz do meu jeito” e ponto final?
Tenho certeza que não. O grande ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso, homem elegante e diplomata nato, certa vez resumiu sua atividade com uma simplicidade fascinante. Disse ele que a sua função, na presidência, era fazer com que os problemas que entravam no gabinete saíssem de lá menores. É isso. Nem sempre dá para resolver tudo. Mas quase sempre dá para fazer que o problema fique menor.
Hoje, na avenida Presidente Vargas, parece que há uma maldição que leva ao efeito contrário. Diante de uma situação qualquer, que nem mesmo é particularmente complexa, constroem-se tantos obstáculos que acabam por criar problemas onde não havia nenhum. Preferem as “justificativas” às “soluções”. E o conflito, ao avanço. É uma pena. Todos perdem. Especialmente, a população, que será diretamente afetada se a greve dos servidores prosperar.
Corrêa Neves Jr. é jornalista, diretor do portal GCN, da rádio Difusora de Franca e CEO da rede Sampi de Portais de Notícias.