"O tempo que se perde hesitando dobra o trabalho que se tem para remediar"
Napoleão Bonaparte, imperador francês
Estávamos a menos de uma semana do Natal de 2023 quando o Portal GCN estampou em sua manchete uma notícia inesperada, que provocou imediato – e forte – impacto em Franca. O prefeito Alexandre Ferreira (MDB), após receber um relatório do TCE (Tribunal de Contas do Estado de São Paulo) que apontava irregularidades na forma como seu antecessor, Gilson de Souza, havia renovado por 10 anos o contrato de concessão do transporte coletivo de Franca, havia tomado uma decisão corajosa. Decidira romper o contrato com a empresa São José e abrir uma nova licitação.
No dia seguinte, uma quinta-feira, 21 de dezembro, o prefeito convocou uma reunião com os vereadores e, depois, uma coletiva de imprensa em seu gabinete. Confirmou tudo que havia sido antecipado com exclusividade pelo Portal GCN no dia anterior. Na entrevista aos jornalistas, detalhou o que pretendia e estabeleceu alguns prazos. "Vou negociar com o Tribunal para que o transporte público seja mantido até que o novo edital de licitação seja feito. Temos 60 dias de prazo para providenciar todo esse processo", disse o prefeito.
Exatos 416 dias depois, ou longos treze meses, nem uma coisa, nem outra, saíram do papel. Ainda pior, ninguém sabe quando sairá nem porque a discussão segue empacada. Na ‘doutrina do silêncio’ que tem marcado a discussão de projetos estratégicos para a cidade dentro do paço municipal, ninguém fala nada de concreto, não esclarece em que ponto estamos e nenhum prazo é mais crível. A impressão que passa é a de que ninguém está à frente de um processo tão importante e, quem está a par, também não tem uma ideia muito clara do que fazer.
Neste longo período de 13 meses, do lado de fora do gabinete, muito se falou sobre o transporte coletivo, na inversa medida em que nada se conseguiu entender do que acontece lá dentro. O pouco que se sabe é que a ideia inicial de 60 dias de prazo para concluir o processo, por óbvio, está morta. Também em algum momento resolveu-se que não seria uma boa ideia romper o contrato com a São José, mas simplesmente abrir um novo processo licitatório (continuo aqui com as minhas dúvidas sobre a validade jurídica desta decisão, mas... como saber quando ninguém parece saber muita coisa do que está fazendo?).
Um caro estudo foi contratado, pago e realizado, mas suas conclusões seguem mais misteriosas do que a fórmula da Coca Cola, os três segredos dos pastorinhos de Fátima ou o código que ativa o arsenal nuclear dos Estados Unidos. Tudo que dá para saber é que o estudo foi feito pela Associação Nacional de Transporte Público (ANTP), com dispensa de licitação, e custou R$ 1.124.173,04 reais. Nada além.
Obviamente, o assunto “transporte coletivo” foi muto debatido durante a campanha eleitoral. Os adversários do então prefeito e candidato à reeleição denunciaram os problemas, ressaltaram a insatisfação dos usuários, questionaram a falta de fiscalização. O mantra de Alexandre Ferreira era um só. O problema está em vias de solução, porque uma nova licitação seria feita.
Vitorioso nas urnas, Alexandre Ferreira voltou a falar do assunto em entrevistas que concedeu à rádio Difusora AM 1030 khz e ao Portal GCN no dia seguinte ao segundo turno, na manhã de 27 de outubro. Sobre a eventual necessidade de comunicar a empresa São José sobre o rompimento, Alexandre foi taxativo. “Não, é uma medida do Executivo. É publicar o edital... Eu nem preciso perguntar (informar) para a empresa (São José). Eu perguntei ao Tribunal de Contas, eu nem preciso falar para ela (São José)”, afirmou o recém reeleito. “Eu vou abrir um edital. A nossa ideia é por volta do dia 15 (de janeiro). A nossa ideia é essa. Nós estamos falando com a empresa que fez o estudo para ela preparar o edital. Nós vamos fazer uma audiência pública, conforme tinha combinado. Quando o edital estiver pronto, eu faço audiência pública, para explicar os pontos do edital, claro, e depois eu publico o edital. E aí é o prazo normal, que também eu tenho que cumprir isso, porque foi isso que eu combinei com o Tribunal de Contas”, completou.
E agora? Só Deus sabe. Para começar, não há mais prazos estabelecidos. Não se conhece nada do estudo. Não se sabe quantos ônibus serão exigidos, se terão ar-condicionado e wi-fi que funcione, se haverá parte da frota verde (elétrica), se há interligação com vans, se o terminal continua medonho no mesmo lugar, se haverá câmeras em todos os ônibus, quem vai fiscalizar, quais as multas previstas, qual o custo estimado para a passagem, e muito menos, se haverá subsídio e de qual tamanho. É o mínimo que se precisaria saber antes que o edital fosse publicado. Porque depois, não há mais o que fazer, a não ser esperar... e, eventualmente, criticar, a depender do que se apresente.
O processo é tão lento que compará-lo a um parto é medida equivocada. Tivesse sido uma gravidez, o bebê já teria quatro meses. Grandes coisas já foram feitas no mesmo tempo. Treze meses foi o tempo necessário para que, nos Estados Unidos dos anos 30, construíssem o Empite State Building, o icônico prédio que durante quarenta anos foi a mais alta construção do mundo. Foi num tempo semelhante que cientistas conseguiram produzir a vacina para a Covid. Por aqui, na Franca do Imperador, ainda nem sabemos quando enfim teremos clareza sobre o que será feito de um sistema que impacta diariamente a vida de milhares de pessoas, por décadas.
Há um último fator a considerar, e nem por isso, menos importante, mas aparentemente negligenciado por completo pelos principais conselheiros do prefeito Alexandre Ferreira. A publicação do edital não é o fim do processo. Muito pelo contrário, é apenas o início de uma longa e incerta batalha.
Por conta das funções que exerço como CEO da rede Sampi de Portais, acompanho de perto o que acontece em oito regiões do Estado de São Paulo – Campinas e São José dos Campos, duas delas. Em ambas, os processos licitatórios para concessão do transporte coletivo se transformaram em batalhas jurídicas intermináveis, com idas, vindas e reviravoltas.
A diferença é que em que ambos os casos, sabe-se, com clareza, o que os prefeitos querem, como pretendem modernizar o sistema, que ganhos haverá, e há tempos. Mesmo assim, a coisa é lenta. Não é difícil que se repita o mesmo em Franca, mesmo porque ninguém imagina que a São José, até agora inerte, ficará nesta mesma posição, sem reagir, sem questionar, sem argumentar.
Neste ritmo, pode ser que o prefeito transmita o cargo ao seu sucessor, em janeiro de 2029, com a mesma São José, operando o mesmo sistema falido, e com o mesmo assunto pautando o debate eleitoral – a diferença é que, neste cenário, ele não terá como se defender. A não ser que esteja pensando em pendurar as chuteiras e fazer de 2028 seu ponto final, será um fardo difícil para o futuro ex-prefeito carregar quando reencontrar os eleitores numa campanha qualquer.
Corrêa Neves Jr é jornalista, diretor do portal GCN, da rádio Difusora de Franca e CEO da rede Sampi de Portais de Notícias.