13 de dezembro de 2025
OPINIÃO

O diferente não é o inimigo

Por Marília Martins | Especial para o GCN
| Tempo de leitura: 3 min
Reprodução/Redes Sociais
Imagem mostra Donald Trump em uma das cenas da sua posse para o segundo mandato como presidente dos EUA

Para nós, acostumados aos carros, é quase inimaginável um mundo em que se deslocar por curtas distâncias poderia demorar dias no lombo de cavalos ou chacoalhando em carroças. Hoje, no mundo do WhatsApp, pensar que o único meio de se comunicar com alguém que morava longe era uma demorada carta, para muitos é coisa de filme de guerra. Para quem adora as plataformas de streaming, os corredores das locadoras onde fitas de lançamentos eram muito disputadas são só uma memória muito distante.

É o progresso, que chega e transforma sem dar muito aviso.

Ainda hoje há quem não goste dos veículos automotores, quem ainda envie uma ou outra carta ou até os cinéfilos que não abrem mão de uma fita VHS, mas é inegável que as mudanças fazem parte da nossa própria humanidade.

Os exemplos podem parecer singelos, mas assistir à posse de Donald Trump e o medo (transfigurado em desprezo) que essa onda conservadora exala da diversidade, do diferente, me fez pensar muito sobre como podemos até temer a evolução, mas que, na maioria das vezes, é uma luta em vão.

A posse do presidente americano foi prestigiada por alguns dos homens que representam o que há de mais moderno no mundo. Participaram do evento Mark Zuckerberg (Meta), Jeff Bezos (Amazon), Elon Musk (Tesla, SpaceX e X), Sundar Pichai (Google), Tim Cook (Apple), Shou Zi Chew (TikTok) e Sam Altman (OpenAI). Uma reunião inédita, ao menos publicamente. Enfileirados, eles tiveram lugar de destaque no evento.

O curioso é imaginar que entre os responsáveis pela grande revolução tecnológica – não vamos generalizar, claro – que vivemos hoje estão alguns homens que parecem presos a um passado que deixou marcas nefastas. Depois de Zuckerberg dizer que falta "energia masculina" nas empresas e abrir a porta para o discurso de ódio em suas plataformas, assistir a Elon Musk fazer uma réplica de uma saudação nazista chega a dar um nó no estômago. “Ah, ele é só um desajeitado”, alegam aqueles que defendem que ele queria apenas "mandar seu coração" para todos. Sinceramente, não podemos desconsiderar a inteligência de um dos "gênios" do momento que certamente tem referências históricas o suficiente para saber que há semelhanças brutais entre o que ele fez diante de uma plateia de milhares e um gesto abominável que inspirou a tortura e morte de milhões de pessoas – pelo simples fato de serem diferentes dos “arianos”.

A história nos ensina que o medo do diferente é uma narrativa que frequentemente tenta atrasar o progresso. Mesmo que existam líderes que gostariam de negá-lo.

No entanto, assim como superamos os temores de tecnologias disruptivas no passado, também somos capazes de transcender os preconceitos que nos prendem ao atraso. Um exemplo disso é o Renascimento, que transformou o mundo ao abraçar a diversidade de ideias e culturas. Foi o contato com diferentes saberes – preservados por estudiosos egipcios, árabes, indianos e outros povos – que alimentou a ciência, as artes e a filosofia ocidental.

O que essa lição nos diz é claro: o diferente não é o inimigo. Ele é a centelha que acende a inovação, a inspiração que renova nossas certezas e expande nossos horizontes.

Seja ao ouvir as palavras de uma bispa pedindo misericórdia para imigrantes e comunidades LGBT+, ou ao relembrar o poder do encontro entre culturas, somos convidados a refletir: o que seria do progresso sem o contraste? Sem a troca? Sem a aceitação do outro?

No final, o progresso nunca se curva ao medo. Ele avança – inevitável e incansável – porque a humanidade é, por natureza, plural. E é essa pluralidade que nos torna fortes, resilientes e capazes de enfrentar até as tempestades mais sombrias.

Que possamos, então, superar nossos temores, abrir nossos corações e lembrar que o futuro pertence àqueles que têm coragem de incluir, de respeitar e de celebrar o diferente. Afinal, não é preciso temer o que, no fundo, sempre foi nossa maior riqueza.

Marília Martins é professora, produtora cultural, foi membro do Conselho de Políticas Culturais, do Conselho da Condição Feminina e atualmente é vereadora em Franca/SP pelo Psol.