A perda de cabelo, cílios e sobrancelhas, que causa abalo na identidade, não é o único problema que as mulheres em tratamento de câncer de mama tendem a enfrentar. Além de todo estresse, medo e aflição, muitas precisam lidar com a separação e o abandono afetivo de seus parceiros.
Um estudo recente chamado Amazona II, com dados colhidos de janeiro de 2016 a março de 2018 em 23 instituições do país, mostrou que as pacientes atendidas no sistema público de saúde e submetidas à mastectomia (remoção da mama), com ou sem preservação da pele e aréola, tiveram mais risco de divórcio ou separação. Das 599 mulheres casadas inscritas no estudo, 5,8% se divorciaram dois anos após o início do tratamento.
"A taxa de divórcio nesse período normalmente fica em torno de 2,6%, mas entre as pacientes oncológicas o divórcio costuma variar entre 5,6% e 5,8%, é o dobro de chance. Infelizmente, é algo recorrente. Há uma reorganização da família, dos amigos. O que percebemos é que relacionamentos bem estabelecidos tendem a se fortalecer, e aqueles que têm rusgas tendem a se partir", explica Susana Ramalho, oncologista clínica e chefe do Departamento de Tumores Femininos do Grupo SOnHe.
O abandono ocorre entre o primeiro e segundo ano de tratamento de câncer, que é justamente quando a mulher mais precisa de ajuda por conta do impacto que a doença causa. É quando a equipe médica começa a observar qual é o tipo de suporte dado por seus parceiros.
"Há aqueles que são suporte instrumental, ou seja, que levam para as consultas, vão aos médicos, ficam durante o tratamento, internação etc. E há o afetivo, aquele que escuta, dá uma carona, executa algumas ações mais simples. A mulher, que naturalmente é a cuidadora da casa e da família, precisa de cuidado, e os homens, que culturalmente não foram ensinados a cuidar ou a ter um letramento emocional, precisam cuidar. E essa inversão pode gerar um desgaste nas relações", afirma Natália Gil, coordenadora do serviço de Psicologia da Oncoclínicas Rio de Janeiro e membro da Sociedade Brasileira de Psico-Oncologia (SBPO).
Além dessa falta de tato e cuidado, ou da mudança de imagem e identidade da mulher, um terceiro fator que leva a essa ruptura afetiva é o estresse que a doença pode causar na vida do casal quando o tratamento passa a ocupar um lugar central na vida.
"Se antes a mulher estava preocupada com a questão física, ela agora está preocupada em sobreviver. Tudo se volta para a questão da doença. Se isso é difícil para o homem, imagina para a mulher. O que eu falo para os meus casais de pacientes é que o diálogo é imprescindível. A situação mudou, mas a relação não pode mudar, eles precisam se adaptar a essa nova rotina", diz Gil.
Vânia Cristina Cardoso, de 45 anos, terminou um relacionamento de 21 anos durante seu tratamento oncológico. Ela foi diagnosticada com câncer de mama pela primeira vez em 2016, quando tinha 36 anos.
Na ocasião, passou por sessões de quimioterapia, e seu marido, que na época até chegou a fazer um curso de cuidador, a ajudou a raspar os cabelos, raspando os dele também. Ela chegou até a retirar as duas mamas. Porém, em 2020, teve uma recidiva e precisou ser submetida a um novo tratamento com radioterapia.
"Foi no meio da pandemia, mudou todo o protocolo do meu tratamento, comecei a tomar remédios que davam alterações e uma delas era a falta de libido. Ele não compreendia isso e me julgava muito. Eu o chamava para ir às consultas comigo e ele se recusava. Foi quando percebi que toda essa falta de empatia estava me fazendo mal. Eu estava vivendo sob pressão, não estava conseguindo me ver como uma mulher, como era antes. E isso estava me atrapalhando no meu processo de tratamento e cura", relata Cardoso.
Ela resolveu se separar do marido e, hoje, finalizando o tratamento do câncer, faz esportes todos os dias para reduzir seus efeitos colaterais.
"Pude me ver como uma mulher linda, guerreira e que venceu três batalhas: duas contra o câncer e uma da separação. Tudo passa! Nós temos cicatrizes no corpo e na alma, precisamos aprender a admirá-las. Hoje, eu tenho um namorado que me aceita do jeito que sou e a libido de uma jovem", diz, sorrindo.
Segundo especialistas, os sinais de que algo não está bem após um diagnóstico de câncer são sempre os mesmos. Primeiro o casal comparece junto ao consultório e aos tratamentos. Depois, ela começa a ir sozinha, a equipe percebe que a paciente está triste, que parou de se importar com a aparência e, como uma mudança mais drástica, perde a vontade de fazer a cirurgia reconstrutora. "Elas costumam nos falar depois de um tempo. Geralmente, depois de dois meses que o marido saiu de casa. E sentem liberdade de contar a história toda, falar que não conversam mais. Normalmente, mais tarde conseguem ressignificar a perda. Percebem que foi um livramento e que fez bem o término, mas até chegar a esse ponto leva tempo,é um processo muito doloroso", afirma Susana Ramalho.